Apesar de alguns nomes interessantes quando o assunto é suspense e terror, como o clássico "Terror a Bordo" (1989) e os mais recentes "Wolf Creek - Viagem ao Inferno" (2005) e "The Babadook" (2014), a Australia não é conhecida como um país de muita tradição no gênero. Mas isso não impediu o diretor e roteirista prata da casa Michael Petroni de escrever uma história sombria e cheia de mistério sobre um psiquiatra chamado Peter Bower (Adrien Brody), que começa a receber visitas de fantasmas de pacientes, fazendo com que ele coloque em risco sua sanidade mental ao encarar segredos do seu passado. Peter decide então deixar sua esposa Carol (Jenni Baird) em casa e retornar a sua cidade natal para a casa do seu pai William (George Shevtsov), a fim de procurar pistas e se livrar dessas visões do passado que lhe atormentam tanto.
Vamos começar pelas coisas boas do filme. A premissa é bem interessante e apresentada de uma forma competente, muito disso graças a boa participação do elenco, especialmente quando Adrien Brody e Sam Neill estão em cena juntos. A atmosfera pesada e sombria é estabelecida de forma eficiente, deixando o espectador tenso no início do filme. Isso porque um elemento dos filmes de suspense que geralmente funciona é que tanto o espectador como o protagonista não sabem o que está acontecendo, deixando o mistério pairando no ar com muito mais intensidade. Se pegarmos alguns momentos "soltos" no filme, temos várias cenas de susto realmente interessantes, incluindo um momento que "homenageia" o clássico do terror "O Grito" (2004), com aquele barulhinho assustador e tudo mais. Entretanto, essas cenas acabam não combinando com o tom do filme, pois fica confuso entre um mistério e um filme de 'scarejump' (com direito a um momento Thriller do Michael Jackson, com o "zumbi" praticamente imitando um passo famoso do astro pop).
Pena que os elogios não duram por muito tempo. Quando começam as aparições fantasmas a direção vai perdendo a mão, o roteiro vai se mostrando muito frágil e raso, e com isso a intriga vai se dissipando. A história fica um tanto confusa, por exemplo, no início a esposa de Peter tem um pesadelo e ele a acalma, indicando que do casal, ele é a pessoa que mais conseguiu assimilar todo aquele problema do passado (como veremos mais à frente no filme), trabalhando normalmente como psiquiatra. Mas logo seu personagem perde repentinamente o controle da situação, e a partir daí ele começa a ser atormentado. Naquele momento ainda prematuro do filme e da forma como foi mostrada, essa mudança não pareceu nada convincente (não há como citar outros exemplos sem spoilers, então não farei isso).
Há alguns elementos bastante subaproveitados, como citar a amnésia anterógrada no início do filme, bem como o fato do protagonista ser um psiquiatra, coisas que têm uma gama enorme de possibilidades a serem exploradas - tanto a profissão como a doença - e correlacioná-las com os fatos sobrenaturais que estarão por vir. Mas estes elementos são usados de forma gratuita, pois acabam não tendo relevância alguma no desenrolar da história. Outro ponto negativo no roteiro é que os personagens não parecem agir como pessoas de carne e osso. Alguns detalhes deveriam ter sido pensados de outra forma, como por exemplo, um personagem que guarda uma foto da mãe sendo que não fala com ela e estão brigados há muito tempo. É possível? Sim, tudo é possível, mas pense se você com raiva de alguém guardaria um retrato da pessoa na mesa de trabalho, olhando para ela o tempo todo. Além de outras coisas, como guardar recortes de jornal de algo que você quer apagar da mente e não quer que ninguém descubra, ou em outra oportunidade um policial encontra uma pista de 30 anos atrás apenas ao retornar ao local do crime.
Outra questão que incomodou bastante foi a incapacidade do diretor conseguir contar sua história através das imagens e deixar um pouco para que a platéia use sua imaginação juntando os pedaços do quebra-cabeça junto com Peter. Ao invés disso ele intercala um flashback (que já é usado para explicar) com cenas dos personagens narrando tudo o que aconteceu. Alguns clichês mal utilizados também não ajudam e no filme há vários. O problema aqui não é a uma situação impossível de acontecer, mas aquela sensação no espectador de "de novo isso?". Por exemplo, será que o ser humano é tão previsível que a única resposta para resolver seus problemas seja cair na bebida? Ou se pode fazer a investigação pela manhã, porque sair no meio da noite para uma floresta sinistra?
Apesar de mais uma vez Brody entregar uma atuação muito boa, é uma pena ver que novamente foi traído por interpretar um personagem mal concebido, e atribuo muito desta culpa a direção de Petroni. Ao tentar ser o mais óbvio possível, o filme se perdeu, pois os grandes filmes são os que não entregam tudo, mas abrem margem para que o espectador participe ativamente da história, o que pode gerar teorias e discussões sobre ele após anos ou até décadas. Há inconsistências na direção e nos desdobramentos que a trama vai tomando, onde temos um pouco de tudo: drama, suspense, mistério e terror. Mas nada nunca convence, especialmente o drama que está sempre um tom acima, parecendo mais um melodrama. Convém dizer que a geração 'jumpscare' deve gostar do filme, pois há sustos de sobra para eles. Não me espantaria se "Visões do Passado" tivesse uma maior aceitação do público do que teve o neoclássico "A Bruxa", aclamado pela crítica e detonado pela grande massa por não dar medo. Se para o público geral "medo" se resume a um punhado de sustos, deem "A César o que é de César". Os mais exigentes, que preferem uma história concisa e bem amarrada, não precisam de uma sala cheia de pessoas vaiando e criticando um filme profundo e artístico só porque (para eles) não era "assustador" o suficiente. Como acabamos de ver, um único filme nunca vai agradar a todos, mas o cinema algo é tão bom que nele tem espaço para todo mundo.