Mãe, esposa, amante
por Bruno CarmeloDesde o título, o filme chama a atenção por sua abordagem em primeira pessoa: o diretor Stig Björkman pretende revelar Ingrid Bergman “por ela mesma”, através de materiais pessoais da atriz, como o diário e as cartas enviadas aos amigos próximos. As frases lânguidas, narradas em off por Alicia Vikander, ocupam o espaço sonoro como se a própria atriz estivesse efetuando a leitura e se emocionando com os fatos pela primeira vez. O documentário surpreende, portanto, por sua ficcionalização, representando a realidade a partir de encenações.
Os fatos relatados sofrem um recorte idealizado pelo olhar do diretor. Mesmo que o filme relate as passagens centrais da vida de Bergman (filmes principais, romances, filhos), ele não consegue estabelecer ligações entre estes destaques: Como ela conseguiu papéis tão grandes de repente? Como pôde se queixar de não conseguir nenhum papel logo antes de Casablanca? Como passou da riqueza à decadência financeira? Os fatos são apresentados como passagens bruscas, sem causas nem consequências.
Esteticamente, o documentário apresenta um ritmo agradável, ajudado pelas imagens nostálgicas (registros em 8mm, principalmente) e pelo tom etéreo da voz de Vikander, atingindo algo próximo de um sonho, ou de uma voz do além. A trilha sonora onipresente faz o possível para criar uma atmosfera melódica e açucarada. O teor das passagens impressiona pelo otimismo: Eu Sou Ingrid Bergman narra uma ascensão meteórica, repleta de boas notícias e poucos reveses.
O teor cor de rosa contamina mesmo as maiores controvérsias na vida de Bergman, como o escândalo do adultério, e o abandono dos filhos para viver com outro homem. A atriz foi boicotada pelos estúdios e quase abandonou a carreira, mas a narração interpreta os fatos como pequenos percalços, não mais importantes do que quaisquer outros. As passagens se sucedem com uma linearidade inabalável. Os depoimentos elogiosos dos filhos e de outros atores contribuem à impressão geral de uma elegia acrítica de Ingrid Bergman.
Isso ocorre porque o documentário foge dos aspectos profissionais para se concentrar nos relatos íntimos deste ícone do cinema. O espectador descobre detalhes de Bergman como mãe, esposa, amante, garota apaixonada ou idosa sonhadora. Mas o público cinéfilo pode ficar frustrado com a ausência de informações propriamente cinematográficas sobre a personalidade. É compreensível que Björkman tente se focar em outros aspectos de Bergman, mas não deixa se ser lamentável o desinteresse do cineasta com os rumos profissionais da atriz.
Mesmo assim, o saldo de Eu Sou Ingrid Bergman é positivo pelo acesso a materiais raros sobre a protagonista, embalados em uma estética opressiva, mas homogênea. Deve-se felicitar igualmente a ausência de julgamentos morais quanto às atitudes da atriz. Paira sobre o discurso um ponto de vista feminista, que defende a autonomia da mulher sobre seu corpo e sobre sua vida afetiva. O melhor aspecto do filme é este: o retrato de Bergman como uma mulher livre, corajosa, capaz de enfrentar as rígidas regras morais dos anos 1940 e 1950.