Fui ao cinema imaginando que encontraria poucas pessoas dispostas, como eu, a assistir um filme tão “alternativo”. Afinal, era um filme da Colômbia – país com pouquíssima tradição cinematográfica – e além disso, um filme em preto & branco. Mas para minha surpresa, a sessão antes da minha estava lotada, a minha estava lotada, e pela fila ao sair da sala, a próxima também. Isto prova que há mesmo público para todo tipo de filme. É claro que o filme se beneficiou de uma boa campanha, aproveitando o sucesso internacional em festivais, e a recente indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O filme impressiona tanto pela qualidade da parte técnica (fotografia, som, montagem, efeitos), quanto pela maturidade do trabalho de direção. O diretor Ciro Guerra ao mesmo tempo que demonstra competência em desenvolver a história, tomando por base os relatos reais de dois diferentes exploradores, se sai muito bem na difícil tarefa de fazer contracenar atores profissionais com atores amadores. Os autênticos indígenas do filme, nos papéis principais, que provavelmente nunca atuaram antes, estão muito bem, muito convincentes, principalmente aquele que faz o papel de Karamakate jovem.
A fotografia em preto & branco é excepcional, dando uma aura verdadeiramente mística à floresta amazônica. A breve e única sequência usando a cor surge na hora certa, fazendo todo o sentido. Também é elogiável a maneira simples e fluida como o diretor faz a passagem entre as 2 épocas distintas em que se passa a história, evitando os clichês do flashback. O Abraço da Serpente mostra um interessante contraponto entre a cultura européia, do homem branco (dito civilizado), preso à posse de coisas materiais, e a cultura indígena, em que predomina o respeito à natureza e aos antepassados, aqui mostrada de maneira bem fiel. O filme mostra bem quão danosa foi a “colonização” espanhola na América Latina, deixando pra trás rastros de destruição e a consequente descaracterização da autêntica cultura nativa.
Ficam evidentes as dificuldades que a produção deve ter encontrado ao rodar no coração da selva amazônica. É possível imaginar que a filmagem renderia por si só um filme. Ao menos um documentário. O próprio diretor acabou confessando que, passada uma semana, chegou a pensar em desistir do projeto. Que bom que toda a equipe se comprometeu com a conclusão do filme e nos brindaram com uma das gratas surpresas cinematográficas do ano.