Deus ex machina
por Lucas SalgadoDeus ex machina é uma expressão que nasceu no teatro grego, mas que acabou utilizada em obras de ficção em geral, sejam peças, livros ou filmes. É quando uma força superior intervém na história e, de certa forma, soluciona os conflitos para os personagens. Com o passar do tempo, tais artifícios narrativos foram se tornando mal vistos e hoje são evitados pela maioria dos roteiristas.
O problema surge quando estamos diante de um filme religioso, seja ele de qualquer religião. As noções de milagres e soluções divinas são essenciais em religiões. Mas, como dito acima, são prejudiciais em uma obra de ficção. Como se envolver com uma trama se você já espera por uma solução simples?
Metanoia chega aos cinemas brasileiros após ser agraciado com oito prêmios no Festival Nacional de Cinema Cristão. Apesar disso, deve-se reconhecer que a obra não é essencialmente religiosa. Tem algumas escorregadas no roteiro, mas boa parte da narrativa acontece sem que o filme tente doutrinar ninguém. Este é o principal mérito da direção de Miguel Nagle. Ao contrário de produções recentes como Deus Não Está Morto ou Nosso Lar, ele não tenta vender verdades. Procurou fazer cinema. O resultado é irregular, mas com sinais promissores.
O longa conta a história de Eduardo (Caique Oliveira), um jovem que mora com a mãe (Einat Falbel) no Jardim Ângela, na periferia de São Paulo. Um pouco acomodado, ele trabalha por um tempo como entregador de pizza, mas logo deixa o serviço e passa o tempo todo ao lado de um amigo rico (Caio Blat) que o introduz para drogas mais pesadas. Não demora muito e Eduardo se vê dependente do crack, o que representa um desafio para ele e sua família.
Apesar do clichê do "cara simples que sofre com más influências", a primeira parte é bem desenvolvida. O retrato da dependência do crack também é bem feita, principalmente pelo fato do filme ter conseguido rodar cenas na região da cracolândia, o que gera tomadas duras, mas muito realistas.
A participação de Caio Blat é discreta, mas o ator dá autenticidade ao personagem. Falbel está muito bem no papel de Solange, a mãe de Eduardo, conseguindo passar todo o sofrimento que uma mãe passa ao ver o filho no mundo das drogas. Oliveira não compromete e possui uma intensidade interessante para as cenas mais fortes. Ele, no entanto, escorrega nos momentos mais dramáticos.
Escrito por Miguel Nagle e Caique Oliveira, o roteiro do filme é muito irregular e perde força no terceiro ato. Curiosamente, a melhor cena do filme é um momento totalmente desconectado da trama principal. Silvio Guindane e Solange Couto protagonizam uma bela sequência em que um filho viciado em crack recebe a visita de sua mãe no dia do aniversário dele. É uma cena muito bonita e bem atuada, mas parece fazer parte de outro filme. Sim, a temática é a mesma, mas não há qualquer outra ligação com a saga de Eduardo e Solange. Os dois personagens aparecem, protagonizam o belo momento e nunca mais voltam.
Nagle demonstrou a capacidade de contar uma história com Metanoia. Mas os problemas no texto acabaram impedindo que o filme se saísse melhor. A solução final também incomoda, mas é inegável que temos uma trama interessante e um tema que merece ser explorado pelo cinema nacional.