A solidão dos adultos
por Bruno CarmeloLorene Scafaria ainda é um nome pouco conhecido em Hollywood. Como diretora, roteirista, produtora, atriz, cantora e compositora, tem se dedicado a narrativas femininas, sobre jovens adultas em crise amorosa e profissional. Nick and Norah, Ricki and the Flash, Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo e mesmo a triste canção “28”, de sua autoria, celebram com ternura a vida de mulheres deslocadas no cenário contemporâneo. A Intrometida, nova experiência de Scafaria como diretora e roteirista, vai um passo além ao cruzar as dores de duas gerações de mulheres, apenas para constatar que as dúvidas existenciais não melhoram com o passar do tempo.
De maneira discreta, o roteiro desenha uma trajetória de luto e desintegração de duas personagens: Marnie (Susan Sarandon) perdeu o marido e, incapaz de superar o fato, sobrecarrega a vida da filha de expectativas, além de se impor na rotina das pessoas ao redor. A filha, Lori (Rose Byrne), além de enfrentar a perda do pai, tem que superar o fim de um relacionamento amoroso. Felizmente, o projeto foge às soluções fáceis tanto do melodrama quanto das comédias independentes americanas. Marnie é vista através dos dias vazios, os gestos repetidos, a reprovação da filha. Os encontros com estranhos são tão gentis quanto tristes, por transparecerem sua solidão. Mesmo assim, ela sorri e tenta convencer a si mesma de que está feliz.
Pela estrutura, este é um tradicional filme de personagens, que acompanha a mãe em todos os gestos. A personagem constitui um presente à excelente Susan Sarandon, que capricha no sotaque e nos olhares, enquanto evita os tiques que havia demonstrado em comédias recentes. Diretora e atriz demonstram plena sintonia neste raríssimo drama sobre personagens acima de 60 anos, demonstrando empatia sem vitimismo. J.K. Simmons também transborda simplicidade e carinho (impossível perceber no doce policial o mesmo furor que apresentava em Whiplash), enquanto Rose Byrne desconstrói a euforia dos jovens adultos com uma composição beirando a depressão nervosa. A profissão de cineasta, ocupada por ela, nunca pareceu tão fria e desinteressante quanto neste filme.
Na direção, a cineasta faz escolhas discretas, mas eficazes. A trilha sonora aparece de modo pontual e delicado, a câmera balança apenas o suficiente para sugerir dinamismo, evitando imprimir claustrofobia à rotina de Marnie. Mesmo atenta à protagonista, Scafaria mantém-se a alguns metros de distância, fornecendo espaço para a personagem se deslocar. A cineasta sabe dosar muito bem a movimentação essencial à impressão de vazio. O insistente marketing de algumas marcas pode incomodar, mas de modo geral, cenários e ações esbanjam realismo.
Guardadas as proporções, A Intrometida lembra Os Belos Dias ou A Visitante Francesa, duas produções agridoces e respeitosas sobre mulheres de meia-idade em deslocamentos sem rumo, espécies de road movies intimistas e psicológicos. Neste caso, adiciona-se o humor puramente cinematográfico (a montagem demonstra grande ironia na combinação de cenas) e boas atuações, além de um discurso progressista em relação à homossexualidade, às drogas e ao desejo feminino. Talvez lhe falte ambição estética, mas quem disse que qualquer projeto precisa buscar a invenção imagética? Se todos os dramas familiares tivessem esta profundidade, a média das produções nos cinemas seria muito melhor.