O gênero thriller leva esse nome porque desperta arrepios em quem o assiste (e isso vem da expressão thrill em inglês). Infelizmente, assim como aconteceu com o gênero terror, o thriller acabou se tornando um tipo de filme híbrido de ação e suspense "fajutos", que se resumiam a tramas clichês e previsíveis, em histórias que mais pareciam saídas das intermináveis variações de séries como CSI e cia. Mas é bom saber que vez ou outra nos deparamos com algum título capaz de nos surpreender positivamente, e é o que acontece com o filme "O Presente". Na trama, conhecemos o casal Simon (Jason Bateman) e Robyn (Rebecca Hall), que se mudou há pouco tempo e estão recomeçando suas vidas, até o dia em que Simon reencontra em uma loja Gordo (Joel Edgerton), um ex-colega de escola. Na mesma proporção em que os encontros entre eles aumentam, Robyn passa a se sentir cada vez mais insegura e Simon mais incomodado com os presentes recebidos e a aproximação de Gordo, devido a um antigo e incômodo segredo dos dois colegas.
O australiano Joel Edgerton é um ator bastante conhecido por seus papéis em filmes como "Guerreiro (2011)" e "Êxodo: Deuses e Reis (2014)" e mesmo com dois curta-metragens na carreira, nunca havia demonstrado tanta afinidade para a direção e roteiro. Mas eis que este ano, o ator/diretor surge com uma das gratas surpresas que resgatam a essência perturbadora do gênero. O Presente é um filme que fala sobre o peso da responsabilidade de nossos atos e questiona se tudo o que fizemos na nossa vida realmente permanece no passado ou em determinado momento precisamos confrontá-lo. Confesso que dentro do circuito comercial norte-americano, desde o ótimo "Os Suspeitos (2013)" - que levanta a questão da justiça feita pelas próprias mãos - eu não me deparava com um thriller familiar tão provocativo.
Podemos considerar a proposta do filme formulaica, pois sua premissa aparenta ser bastante batida - e de fato é mesmo - mas o roteiro inteligente e a surpreendente direção intuitiva de Edgerton tornam a trama uma experiência completamente satisfatória. A lógica interna do filme é muito sólida, fazendo com que os fatos que se seguem pareçam plausíveis ao espectador (quase todos devem conhecer aquela pessoa meio "xereta", que acaba de entrar na sua vida e já pensa que é tão íntima, ao ponto de se tornar inconveniente). Outro ponto positivo no roteiro de Edgerton é que, por saber se aproveitar das características do gênero, ele oculta do espectador pensamentos e ações dos personagens, criando enigmas que tornam a história mais interessante e assim aumentando a tensão do filme. Mas o ponto essencial que torna o filme tão intrigante é que o espectador tem a falsa impressão de estar sempre no "controle" da história, imaginando que pode antecipar todas as ações da trama, e é aí que o diretor reverte nossas expectativas indo sempre em outra direção. Ao invés de nos depararmos com um filme de stalker (perseguidor) comum, que acaba com um assassinato e um final "feliz para sempre", vemos uma provocante trama onde mentiras, vingança e segredos revelados causam um horror psicológico muito mais intenso.
A escolha do elenco caiu muito bem com os personagens. Considerando que o filme é modesto, o casting foi feito pensando em rostos conhecidos do público, mas que não fossem necessariamente "super estrelas" de Hollywood - note que isto influencia desde na imprevisibilidade da trama até no fato de um diretor novato como Edgerton conseguir controlar e comandar as filmagens sem maiores problemas. As atuações do trio principal são muito boas, sendo que qualquer um dos três personagens poderia ser considerado o protagonista da história, de acordo com seu ponto de vista. A personagem de Rebecca Hall não é tão bem desenvolvida individualmente quanto os outros dois, mas é imprescindível para que a história caminhe rumo à sua resolução, fazendo com que a esforçada atriz descubra juntamente com a platéia os segredos que vão sendo revelados. Bateman interpreta um homem bem sucedido, nada de novo para a carreira do ator, mas ao longo do filme sua atuação cresce muito e podemos ver toda sua capacidade e versatilidade. E Edgerton está em um papel bem mais introspectivo e "estranho" e apesar da caracterização um tanto exótica, convence como Gordo.
A fotografia do espanhol Eduard Grau é bastante adequada aos ambientes do filme - semelhante ao bom desempenho em seus dois outros principais trabalhos, Direito de Amar (2009) e Enterrado Vivo (2010). Independentemente de pesar um pouco a mão na sombria fotografia dentro da casa de Simon e Robyn - ainda me pergunto por que as casas de ricos nos filmes têm que ser tão sinistras e escuras - onde a iluminação é baixíssima e em alguns momentos incomoda, o DP (diretor de fotografia) sabe bem como contrastar os diferentes momentos da trama, equilibrando a paleta de cores - méritos da boa montagem também. Prova disso é que as sequências das corridas de Robyn e a sequência final do hospital, que se passam durante o dia, dão um "respiro" muito reconfortante ao espectador, afinal, o terror não está apenas nas sombras. Como um ponto a melhorar, algumas escolhas de enquadramento e movimentações de câmera poderiam ser mais bem pensadas, deixando clara a falta de sutileza do jovem diretor. A trilha sonora dos compositores Danny Bensi e Saunder Jurriaans, não chega a comprometer, mas peca ao não conseguir agregar mais significado ao filme, talvez por conta da decupagem irregular, onde a trilha é bem econômica em alguns momentos, mas em outros exagera um pouco em seus ruídos estridentes. Embora esses pontos não sejam necessariamente "erros", mas possivelmente diferenças de concepção entre a platéia e os compositores.
Apesar de algumas pequenas falhas em aspectos técnicos, o trabalho de estréia de Joel Edgerton na direção é impressionante. O diretor inclusive abre mão do tradicional plano aberto da cidade e nos coloca de imediato na "intimidade" do casal, causando um primeiro impacto visual bem profundo, pois antes que eles falem ou façam algo, já percebemos que há algo de estranho ali. O sólido e surpreendente roteiro proporciona um verdadeiro espiral de emoções e situações que os personagens sofrem durante os 108 minutos de filme, e foge da "cartilha" tradicional e pouco ousada de filmes do gênero ultimamente, presenteando o espectador com um final "a lá" Seven (1995). Edgerton surge como um jovem cineasta de grande potencial, aparentemente influenciado pelo estilo de diretores como David Fincher, e a expectativa é que melhore a cada novo trabalho. O Presente é um genuíno filme de gênero, que merece ser chamado de thriller. Talvez nem entre em exibição nos cinemas nacionais, por ser um filme de orçamento menor e não ter a pretensão de levar nenhum prêmio da Academia - apesar de que eu gostaria muito se o roteiro ou o filme fossem pelo menos indicado ao Saturn Awards. Se dizem que tudo o que foi sucesso 20, 25 anos atrás volta a moda após esse período, seria realmente um grande "presente" para o cinema que a era dos grandes thrillers dos anos 90 voltasse com filmes de grande qualidade como este.