Corrupção como ordem social. Se pudesse resumir o tema principal que nos é apresentado, esse o seria. Isso não fica claro no trailer, que parece vender algo diferente do que vi. Mas o filme passeia por diversos problemas, e não posso culpar o fato de um trailer de 3 minutos passar isso de forma desacertada – até mesmo os quase 100 minutos da obra quase o fazem de forma igualmente descompassada. Mas como disse, são várias problemáticas tratadas, e não quero deixar uma imagem de toda ruim, já que, pela minha nota, pode-se ver que, no geral, o filme é bom. Vamos, então, por partes.
O primeiro ato é o principal problema. Quase perdi as esperanças de ver um bom filme nessa parte inicial. Somos apresentados a Francis (Cleo Pires), uma jovem que decide se tornar policial civil apenas por dinheiro e prestígio. Motivo que ela mesmo assume não ser muito "nobre". Os personagens são bem caricatos, o que, infelizmente, já ficou bem comum no cinema brasileiro. Mas admito ter logo percebido estar vendo algo, no mínimo, diferente do usual. Nesse primeiro ato, somos bombardeados por uma enxurrada de situações e diálogos machistas, mostrando de maneira escancarada que esse é um assunto que vai ser explorado. O que é feito. Porém, incrivelmente mal. Quando começamos a ver, logo no início, o filme mostrando o incômodo que Francis causa ao entrar para a Polícia, como se fosse "tacitamente aceito" que aquela é uma instituição masculina, pensamos, "ok, agora vamos ver uma personagem forte que vai quebrar esses estereótipos e desconstruir o machismo que ele denuncia". Não. Pelo contrário. Francis é uma mulher fraca que não consegue se impor, não faz bem o seu trabalho, não tem o menor preparo, e, pior, fica claro que a mensagem passada nesse ato é de que ela tem esses defeitos por ser mulher. Sério que tenho que ver um filme mostrando uma sociedade machista e ainda por cima uma mulher que o legitima? Qual a intenção de quem escreveu essa personagem?
Antes mesmo de responder a essa pergunta o filme nos joga no segundo ato, e, a partir daí, começa a ganhar ritmo e prender a atenção do espectador. Sob o contexto da ocupação policial do morro do alemão no fim de 2010, e sob o aumento exorbitante dos índices de violência nos municípios vizinhos, nos é apresentada a equipe do delegado Paulo Froes. Interpretado brilhantemente por Marcos Caruso, Froes comanda uma equipe totalmente honesta, o que inclui Francis. Aliás, faz-se questão de deixar clara a honestidade do delegado em vários momentos, mostrada de maneira bastante eloquente. A equipe de Froes é designada para atuar em uma cidade pequena do interior do Rio de Janeiro, buscando derrubar os altos índices de criminalidade. É aí que o filme ganha corpo. A personagem de Cleo Pires, apesar de entrar de forma desajeitada nesse ambiente, começa a se adaptar muito bem nesse trabalho de campo (seria somente nesse ponto que o roteiro decidira quebrar o machismo? Se for realmente isso, ele foi muito mal escrito, uma vez que a problemática do machismo já foi deixada de lado pelo público há uns 20 minutos atrás). Inicialmente começamos a perceber que há um forte esquema de corrupção instaurado na cidade, com gente de peso envolvida - inclusive policiais de alto escalão. Mas o ponto alto dá-se quando começamos a ver que a cidade inteira está envolvida com isso - em maior ou menor grau. É aí que se começa a mostrar a corrupção como ordem social local, como um Estado paralelo ou uma forma de organização que não se pode romper. Somos levados a admitir que, os crimes podem até ser desvendados e trazidos à tona, mas ninguém vai ficar permanentemente preso e a ordem corrupta dificilmente se quebrará. Pode parecer um tema batido, mas ele é apresentado muito bem. Não estamos falando de nenhum clássico - não chega a ser um Tropa de Elite - mas o filme tem seus méritos.
Fazendo uma análise para além do roteiro, temos aqui uma boa cinematografia. Os ângulos são bons e buscam chamar a atenção através de muitos planos detalhes. Repito, muitos planos detalhes! Boa parte das cenas se resumem ao rosto da Cleo Pires tomando mais da metade da tela do cinema. É curioso, mas não chega a ser ruim.
As atuações são surpreendentemente boas. Cleo Pires faz um ótimo trabalho e Marcos Caruso está excepcional - Sempre me surpreendo com a facilidade e o brilhantismo da elocução desse ator. Mas isso já era de se esperar. Já conhecemos esses dois de outros carnavais, e não poderíamos contar com menos do que isso. O que me surpreendeu foi a atuação acima da média de atores bem fracos como Antônio Tabet e Fabiula Nascimento. Quando vi esses dois na escalação do elenco, logo pensei que daí não sairia coisa boa. Mordi a língua. A atuação não chama atenção, mas se encaixa muito bem aos personagens criados. Algo bem diferente da atuação caricatural que eles costumam nos apresentar.
Por fim, Operações Especiais flerta com o tema do preconceito de maneira vaga - há inclusive um relacionamento inter-racial que não mencionei anteriormente, pois ele não chama a atenção. Se não soubesse que situações como essa foram, sim, propositais, esse fato seria insignificante. Mas é um filme que ganha ritmo e relevância ao mostrar como a corrupção pode criar raízes profundas e se instaurar como ordem social vigente. Dificilmente será lembrado como referência, mas, ainda assim vale o ingresso.