Lançado em 2016 sob a direção de Hugo Prata, Elis é uma cinebiografia que busca retratar a intensa e breve trajetória de Elis Regina, uma das maiores intérpretes da música brasileira. A produção acompanha sua ascensão meteórica no cenário musical, sua personalidade forte e sua luta contra as pressões do mercado fonográfico e os desafios pessoais que marcaram sua vida. Com uma performance elogiada de Andreia Horta no papel principal, o filme tenta capturar a complexidade da artista, mas enfrenta dificuldades narrativas que limitam seu impacto emocional e histórico.
A trama segue uma estrutura linear e convencional para cinebiografias, começando com a jovem Elis saindo de Porto Alegre para tentar a sorte no Rio de Janeiro aos 18 anos. O filme retrata sua rápida ascensão no cenário musical, seu envolvimento com figuras como Ronaldo Bôscoli e César Camargo Mariano, sua postura crítica durante a ditadura militar e sua relação conturbada com a fama e a vida pessoal. A narrativa culmina com sua trágica morte em 1982, aos 36 anos, por overdose de cocaína e álcool.
Apesar de cobrir os momentos-chave da vida da cantora, a abordagem do roteiro peca por uma certa superficialidade. Hugo Prata opta por um retrato mais seguro e polido, evitando aprofundar as contradições e conflitos internos de Elis. Isso resulta em um conjunto de cenas que, embora bem produzidas, não oferecem um mergulho mais intenso na psique da artista. Como destacou Jacídio Júnior no Omelete (2016), o filme "não causa intriga" e não se compromete com um recorte mais forte e corajoso da vida da cantora. O resultado é uma narrativa que, por vezes, parece um conjunto de eventos cronológicos sem a profundidade necessária para transmitir a complexidade de Elis Regina.
O grande destaque do filme é a atuação de Andreia Horta, que incorpora com impressionante precisão os trejeitos, a voz e a intensidade emocional de Elis Regina. Sua performance recebeu inúmeros elogios da crítica e lhe rendeu prêmios, como o Troféu Redentor de Melhor Atriz no Festival do Rio de 2016 (G1, 2016). Horta consegue transmitir a energia magnética da cantora, sua impaciência com os padrões da indústria musical e sua fragilidade diante da solidão e dos excessos. Sua interpretação é ainda mais notável ao levar em conta as dificuldades de interpretar uma personalidade tão marcante sem cair na caricatura.
O elenco de apoio cumpre seu papel, mas sem grandes destaques. Caco Ciocler interpreta César Camargo Mariano com sutileza, trazendo um contraponto ao temperamento explosivo de Elis. Lúcio Mauro Filho, no papel de Luiz Carlos Miele, tem uma performance competente, mas seu personagem carece de desenvolvimento. Já Gustavo Machado, como Ronaldo Bôscoli, apresenta um desempenho correto, mas sem a profundidade necessária para demonstrar a complexidade da relação dele com a cantora.
O roteiro, escrito por Hugo Prata, Vera Egito e Luiz Bolognesi, opta por um recorte tradicional, sem grandes ousadias narrativas. O principal problema está na estrutura fragmentada, que transforma eventos marcantes em meros recortes, dificultando uma construção dramática mais envolvente. O filme falha em explorar com profundidade aspectos fundamentais da personalidade de Elis, como sua relação conflituosa com o sucesso e seu posicionamento político durante a ditadura militar.
Além disso, algumas escolhas de roteiro demonstram deslizes históricos, como a cena em que Elis pede divórcio a Ronaldo Bôscoli em uma época em que a legislação brasileira ainda não permitia o divórcio (ele só foi regulamentado em 1977). Esse tipo de anacronismo compromete a fidelidade da obra e poderia ter sido evitado com uma pesquisa mais rigorosa.
A cinematografia de Elis é eficiente ao recriar a atmosfera da época, utilizando uma paleta de cores que remete aos anos 1960 e 1970. A direção de fotografia de Adrian Teijido aposta em enquadramentos intimistas, especialmente em cenas de performance, o que contribui para a imersão do espectador na energia da artista. No entanto, em termos de ousadia estética, o filme não se destaca, adotando uma abordagem visual segura e sem grandes experimentações.
A trilha sonora é, sem dúvida, um dos pontos altos da produção. Utilizando gravações originais da própria Elis Regina, o filme traz interpretações icônicas de músicas como Águas de Março, O Bêbado e a Equilibrista e Como Nossos Pais. Isso confere um realismo sonoro à produção e reforça a potência vocal inigualável da cantora. A escolha de manter a voz original de Elis, em vez de utilizar a interpretação da atriz, foi acertada, garantindo autenticidade às cenas musicais.
O final do filme acontece de forma abrupta, retratando a morte da cantora sem aprofundar suas circunstâncias e seu impacto. A narrativa se encerra de maneira pouco catártica, sem explorar com mais peso o legado de Elis na música brasileira. Poderia ter havido um epílogo mais elaborado, destacando sua influência em artistas posteriores e sua importância na história da MPB.
Elis (2016) é uma cinebiografia competente, mas que carece da ousadia e da intensidade que marcaram a vida da artista que retrata. O filme brilha na atuação de Andreia Horta e na trilha sonora impecável, mas peca por uma abordagem excessivamente linear e sem aprofundamento dramático. A produção poderia ter se beneficiado de um roteiro mais incisivo, que explorasse melhor as complexidades emocionais e políticas da trajetória de Elis Regina. Apesar dessas limitações, Elis é uma obra que funciona como introdução à vida da cantora, mas deixa a desejar como um retrato definitivo de sua genialidade e profundidade artística.