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    Shaft
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Shaft

    Blaxploitation vs Millennials

    por Bruno Carmelo

    O conceito por trás dessa comédia de ação é bastante interessante. Se o Shaft de 2000 assumia com orgulho suas raízes do blaxploitation (filmes criados e estrelados por negros, apostando nos prazeres da violência e sensualidade exageradas, a exemplo do Shaft original), a sequência tenta compreender de que modo o universo brutamontes de John Shaft (Samuel L. Jackson) poderia se inserir na sociedade do século XXI, representada pelo millennial John Shaft Jr. (Jessie T. Usher), o filho de quem o policial jamais cuidou. Para cada comentário machista e homofóbico do pai, o jovem retruca, apontando que esses comportamentos não são mais socialmente aceitos.

    A quase totalidade do humor é baseada no embate entre dois mundos: por um lado, aquele que acredita que “este mundo está muito chato”, e que “as mulheres gostam mesmo é de homem bruto” (palavras do Shaft pai), e a geração que defende a igualdade de gêneros, detesta armas e dedica mais tempo aos telefones celulares do que ao romance. Como se a diferença entre os dois homens não fosse clara o bastante, o diretor Tim Story acentua o abismo: tanto a grosseria do pai quando a ingenuidade do filho se tornam caricaturais, como se não fosse possível encontrar alguma conciliação intermediária entre as duas formas de pensamento.

    Se alguma conclusão pode ser tirada deste novo projeto, aliás, ela diz respeito à impossibilidade de superar a polarização que separa conservadores belicistas e progressistas utópicos. Ao invés das esperadas concessões para que os personagens se encontrassem num meio-termo considerado saudável (assim como na maior parte do cinema hollywoodiano mainstream), esta produção assumidamente B, sangrenta e com classificação etária 16 anos prefere adotar uma via de mão única. No embate entre Shaft e Shaft Jr., é preciso que um dos lados coopte o outro, e obviamente a nostalgia do machismo à antiga leva a melhor. É o garoto que descobre o prazer das armas e de burlar as regras, enquanto ganha de brinde a garota mais bonita.

    O filme parte para o humor autocondescendente, que acredita não ter problema em defender o resgate dos valores patriarcais mais excludentes contanto que o assuma. Ou seja, é aceitável ser machista, homofóbico e contrário aos direitos humanos (como confessa o pai), à condição que o reconheça e o diga. A justificativa mais clara seria de que o material original era assim, portanto a referência precisaria manter o modelo. Ora, o mundo não é o mesmo, e os filmes precisam se adaptar à sociedade ao redor. Algumas produções buscam atalhos fáceis, é verdade. Recentemente, MIB: Homens de Preto – Internacional ridicularizava o título, que apenas menciona os homens. No entanto, a marca foi mantida intacta. Em X-Men: Fênix Negra, uma personagem sugeria que o “men” fosse transformado em “X-Women” – mas o título não sofreu qualquer alteração, é claro. Na época de reivindicações das minorias, o cinema de gênero, voltado a um público amplo, acredita se safar da responsabilidade representativa contanto que assuma sua falha. Devo, não nego, mudo quando puder.

    Este talvez seja o único elemento notável dentro de uma narrativa bastante previsível, incluindo a amiga-perfeita-que-obviamente-vai-se-tornar-namorada, o terrorista islâmico, o traficante latino, o homem que, mesmo tendo abandonado o filho durante décadas, ainda é apresentado como um pai exemplar, e as mulheres que, embora traídas, não conseguem resistir ao charme do cafajeste com uma arma na mão (detalhe para a cena em que a garota, quase literalmente, tem um orgasmo ao ver seu príncipe encantado atirando para todos os lados). As cenas de ação, que constituem o núcleo de uma produção do tipo, efetuam um esforço mínimo. Não é fácil comprar tiroteios e brigas tão básicos na era das coreografias rebuscadas de John Wick ou da megalomania delirante de James Bond e Ethan Hunt.

    Shaft nunca almeja ser um filme rebuscado, apenas uma brincadeira despretensiosa com as ferramentas do gênero policial. Samuel L. Jackson consegue interpretar o sujeito desbocado, grosseiro e sedutor com uma facilidade quase automática, o que não deixa muito espaço para Jessie T. Usher trazer uma composição interessante. A situação é pior para as mulheres, sempre embelezadas, esperando para serem salvas ou convidadas para um jantar romântico. Por trás de sua fórmula consagrada (a dupla good cop/ bad cop, o reencontro entre pai e filho, os policiais azarões que resolvem um caso improvável, o modelo datado do blaxploitation), Tim Story transmite a ideia de que, mesmo percebendo as mudanças do mundo e do cinema, ainda prefere aqueles bons tempos de homens armados e mulheres que aceitavam a sedução sem reclamar tanto. 

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