Crescer judeu em tempo de guerra
por Taiani MendesJoseph Joffo, sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, publicou em 1973 o livro Un Sac de Billes, narrando sua história de fuga tendo como cúmplice o irmão. Adaptado para o cinema pela primeira vez em 1975 por Jacques Doillon, o drama ganhou nova versão neste asseado Os Meninos que Enganavam Nazistas, comandado por Christian Duguay. Sem tentar esconder o que acontece no final, o diretor abre o longa de forma nada sutil, com a entrada triunfal em cena do pequeno Joseph (Dorian Le Clech), vindo do alto de uma ladeira em Paris, vitorioso na cidade acinzentada. O sol, as cores, aparecem quando ele relembra sua saga para escapar dos nazistas. É incomum e um pouco estranho ver os tempos sombrios e sofridos tão iluminados em oposição ao pós-guerra apagado e visualmente infeliz, porém a compreensão de que a experiência dos meninos durante o conflito é mais uma jornada libertadora e de amadurecimento do que uma fuga da morte pode aliviar o incômodo.
Passadas mais de sete décadas da queda da Alemanha de Hitler, incontáveis filmes foram produzidos sobre acontecimentos da época, de tal maneira que hoje é raro o surgimento de uma obra diferenciada que não dê a sensação de déjà vu. Consciente, o diretor não tem a pretensão de inovar, apenas contenta-se em executar de maneira correta a transposição da saga dos Joffo para o cinema em forma de aventura infantil que substitui os perigos da natureza selvagem pelos alemães. Os nazistas, introduzidos desde o início como antagonistas, são em geral hostis – em oposição aos amigáveis fascistas italianos –, mas seus notórios atos cruéis mal chegam à tela. A opção é pela suavização e simplificadora personificação do mal num vilão caricato, oficial desconfiado e impiedoso interpretado por Holger Daemgen. A estratégia, apesar de lógica levando-se em conta o objetivo de realizar um drama emocionante, histórico e didático na medida certa para toda a família, é prejudicial do ponto de vista da verossimilhança, principalmente porque o personagem é a única verdadeira ameaça que as crianças precisam enfrentar diretamente nos quase 120 minutos de duração. Por praticamente excluir a violência e os horrores da guerra, Duguay acaba por afastar demais seu filme do contexto, o que faz com que ele não seja tão tocante (ou chocante) quanto outras histórias envolvendo crianças e nazismo.
Como diz o título, a proeza dos dois é a mentira, especificamente a obrigatória negação do judaísmo, ancorada na união inabalável da dupla. Auxiliados por bondades inacreditavelmente providenciais, eles se arriscam por estradas francesas em que nunca haviam pisado e se dão bem mesmo não seguindo as orientações dos pais. Eles ouvem: “Não confiem em ninguém” e fazem exatamente o contrário na primeira oportunidade. Tudo dá certo. Voltam a confiar, nada de ruim acontece novamente e chega a ser irritante como as coisas se resolvem apesar de todos os indícios contrários. Que ótimo que foi assim com os meninos de verdade, mas isso aqui é cinema e derrotas, erros, feridas são fundamentais para o aprendizado do herói e o engajamento do espectador em sua missão. Durante boa parte da trama tudo parece fácil demais e quando o suspense finalmente tem espaço e a tensão é construída com exatidão, ocorre uma onda de desgraça desmedida, somando mortes, doença, desafio impossível, agressão, prova de fogo e tudo mais que foi driblado pelos garotos e evitado pelo roteiro até então. Tal falta de equilíbrio prejudica o apelo à emoção, supostamente um ponto forte e atrativo do longa.
Dorian Le Clech e Batyste Fleurial, ambos iniciantes, são carismáticos e talentosos e Dorian, o caçula, sempre bastante expressivo, tem seu momento de brilho na cena catártica do filme – além de ter mais tempo de tela e desafios dramáticos do que o colega, afinal vive o autor do texto. Os conhecidos Patrick Bruel e Elsa Zylberstein são coadjuvantes de luxo como os pais.
Sucesso em seu país de origem, Os Meninos que Enganavam Nazistas não é uma obra cinematográfica de destaque, mas sim um longa relativamente bem filmado sobre uma história inegavelmente comovente. Uma das mais caras produções francesas dos últimos meses, o alto investimento é notável em termos visuais, no entanto o roteiro deixa a desejar em pontos primários, esquecendo de objeto importante (a bolinha de gude favorita que só aparece quando é conveniente) e falhando feio na estrutura narrativa. A própria importância dada ao romance de um dos protagonistas é um tanto quanto questionável, ainda que o primeiro amor seja um acontecimento marcante da saída da infância, crescimento forçado que é o cerne do filme. Ninguém passa incólume por uma guerra, mesmo desviando de seus maiores horrores.