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    Um Banho de Vida
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Um Banho de Vida

    O clube dos perdedores

    por Bruno Carmelo

    O humor deste filme nasce da própria premissa: um grupo de homens quarentões investindo do nado sincronizado. A ideia é singela, lúdica, e explora muito bem os nossos preconceitos - qual seria o problema, afinal, em ver homens fazendo acrobacias graciosas na piscina? Por que a atividade estaria reservada às mulheres? O projeto utiliza a inversão de gêneros para investigar tanto a masculinidade frágil quanto a existência de mulheres fortes, que comandam as casas e os locais de trabalho. De um lado, temos um grupo de empresários frustrados, pais de família ignorados pelos filhos e amantes impotentes; do outro lado, mulheres que se reinventam e se impõem.

    Um Banho de Vida surpreende pelo elenco: poucas comédias conseguiram reunir um grupo de atores deste porte. Um dos maiores humoristas em atividade, o belga Benoît Poelvoorde, fica lado a lado com Mathieu Amalric e Jean-Hugues Anglade, dois veteranos que vemos com mais frequência nos dramas. Philippe Katerine, performer e músico vanguardista, se confronta ao estilo clássico de Guillaume Canet e à juventude de Félix Moati. São tantos registros e estilos de atuação diferentes que o resultado se eleva pela riqueza das interações. As mulheres não ficam atrás: Marina Foïs rouba a cena sempre que aparece, enquanto Virginie EfiraLeïla Bekhti se mostram cada vez mais desenvoltas no humor. A simples reunião destes talentos constitui uma atração à parte.

    Ao mesmo tempo, o roteiro faz o possível para construir em detalhes a história de cada membro entre uma dúzia de personagens centrais. Os amores, as angústias, as relações de trabalho e familiares são dissecadas individualmente, numa abordagem que visa discutir a solidão na meia-idade, o machismo, a crise econômica na França, a vida dos trabalhadores de classe média-baixa, a depressão, o alcoolismo, a substituição dos homens por máquinas nas usinas, a falência do modelo contemporâneo de empreendedorismo e alguns temas mais. A ambição pode ser exagerada, e não se espanta que o resultado não consiga explorar a contento todos esses elementos. Mesmo assim, é preferível encontrar uma comédia popular com tamanha complexidade psicossocial do que tantos projetos que acreditam ser necessário sacrificar a profundidade em nome do humor. Além disso, a edição obtém sucesso na tarefa ingrata de equilibrar tantas subtramas simultâneas.

    Na direção, o ator Gilles Lellouche surpreende pela construção ambiciosa das imagens. O filme segue um caminho um tanto convencional - a reinvenção de um grupo de fracassados através do esporte -, mas a estética está longe do previsível. O cineasta faz movimentos bruscos com a câmera, investindo em chicotes, panorâmicas e zooms velozes, de modo a chamar atenção para a presença do dispositivo e assumir o caráter cênico. Cenas como a apresentação do grupo no campeonato mundial ou a solidão de Thierry (Philippe Katerine) nos bastidores da piscina são particularmente bem filmadas, sabendo explorar tanto a música pop quanto o silêncio; tanto o estilo preciosista à la Wes Anderson quanto instantes de drama minimalista, a exemplo das sessões de “terapia em grupo” após os treinos.

    A conclusão inverossímil de Um Banho de Vida se justifica dentro do aspecto fabular do projeto como um todo. O prólogo sobre círculos e quadrados também serve para discutir o sentimento de inadequação destes homens frustrados. Quem diria que a oposição binária entre homens e mulheres poderia conter tamanha complexidade social, e que a imagem de sujeitos perdedores, acima do peso e fazendo malabarismos com as pernas na água seria vista com tanta empatia? O filme funciona, afinal, pela capacidade de rir e chorar com os personagens, ao invés de rir dos personagens. As situações são patéticas, mas os personagens, não. Esta comédia dramática carrega um profundo respeito por cada um de seus pequenos grandes nadadores.

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