O ausente presente
por Francisco RussoJá faz mais de 10 anos que Selton Mello resolveu se afastar das novelas para, cada vez mais, se dedicar ao cinema - inicialmente apenas como ator, depois também como diretor. Com o sucesso de seu segundo filme como realizador, O Palhaço, muito se especulou sobre qual seria seu passo seguinte. Para a surpresa de muitos, ele resolveu se dedicar à TV: ao longo de dois anos, dirigiu mais de uma centena de episódios da série Sessão de Terapia. Apenas seis anos depois, Selton retornou ao cinema com um filme que, conceitualmente, pode ser encarado como a continuidade natural de seu modo de enxergar a sétima arte.
Se O Palhaço trazia uma bem-vinda delicadeza na abordagem da busca da identidade em meio ao universo mambembe do circo, em O Filme da Minha Vida o ator/diretor mais uma vez busca a mescla entre lírico e literal, brutalidade e fantasia, com uma pitada de melancolia. A síntese de tal proposta surge a partir dos contrapontos existentes entre Tony (Johnny Massaro) e Paco (Selton), tão antagônicos quanto amigos. Se Paco é letrado e sonhador, professor de tudo em uma pequena escola localizada em um local ermo, Paco é pé no chão e rude, se agarrando ao dia a dia por não ver sentido nem utilidade em tudo que permite qualquer tipo de viagem da mente - daí sua incompreensão diante do cinema, por exemplo. A sétima arte, por sinal, tem grande importância dentro da narrativa, não só pelo que representa para a alma mas também pelo lado físico de onde é projetada.
Em meio às tais alternâncias, há a melancolia decorrente da ausência. O retorno do pai de Tony (Vincent Cassel) à França abre uma fenda profunda dentro do jovem, não só pela saudade mas pelo impacto que tal partida provoca, dia após dia. Há em O Filme da Minha Vida uma forte reverência ao passado, seja pela ambientação idealizada situada no sul do Brasil, com figurinos típicos dos anos 1960, seja pela lembrança constante de uma felicidade que já não existe mais. Daí vem o tom melancólico em torno do sensível Tony e também a rudeza de Paco, reações diretas do modo como lidam com fatos marcantes da vida.
Entretanto, nem sempre este lado poético existente na narrativa é bem desenvolvido. Há uma certa mão pesada do Selton diretor no modo como tais sonhos são representados, por vezes de forma até pretenciosa. É o caso da sequência lírica em que Tony, literalmente, flutua; por mais que remeta diretamente à obra de Fellini, mais exatamente 8 1/2, ela soa deslocada dentro da história como um todo e, mesmo dentro da própria sequência, não atinge seus objetivos lúdicos. Soa como mero exercício de linguagem.
Além disto, há um incômodo tom brusco na maneira com a qual certas literalidades são apresentadas na história, especialmente em relação ao personagem de Cassel. Por mais que se perceba o interesse em provocar a quebra entre o sonho e a realidade, tal condução muitas vezes soa bastante artificial, prejudicando o desenvolvimento da própria narrativa. O ritmo lento da história, repleto de sequências contemplativas e frases efêmeras de suposto tom poético (a citação ao porco, "ver o início e o fim de cada filme", etc), amplifica uma sensação cada vez maior de gratuidade em torno daquele universo bem retratado e tão mal desenvolvido como narrativa. É como se houvesse uma beleza estética aliada a conceitos bem definidos, só que mal empregados, nesta busca constante por uma complexidade emocional jamais entregue de forma fluida e natural - o que, no fim das contas, acaba sendo um tiro no pé em relação à própria história, de forte tom pessoal.
Diante disto, O Filme da Minha Vida transcorre de forma absolutamente irregular. Por mais que Johnny Massaro e Selton Mello cumpram bem a dualidade necessária de seus personagens, e Bruna Linzmeyer surja mais contida que o habitual, há no filme problemas narrativos que, em parte, são decorrentes não só da ampliação da história criada por Antonio Skarmeta no livro "Um Pai de Cinema" mas, também, de modificações na trama que, uma vez mais, soam gratuitas. Entretanto, problema maior ainda que o conteúdo é a forma com a qual este é apresentado - e, neste ponto, o Selton diretor apresenta seu filme mais disperso.
Se é possível compreender O Filme da Minha Vida como um passo seguinte natural após O Palhaço, pela ambientação retratada, é necessário também reconhecer que o tom poético aqui apresentado soa, em vários momentos, artificial e pouco convincente. Em meio a tantos problemas narrativos e de direção, o filme se sustenta apenas no bom elenco e na bela ambientação de época.