De volta à aposentadoria (ou quase)
por Francisco RussoEra uma vez um filme despretencioso, feito por uma dupla de diretores estreantes, que apostava firme em cenas de ação bem elaboradas estreladas por um astro um tanto quanto esquecido. De Volta ao Jogo foi uma das boas surpresas de 2014, por relembrar que ainda era possível fazer filmes de ação competentes sem abrir mão da violência. O resultado, é claro, rapidamente chamou a atenção dos executivos de Hollywood - leia-se Lionsgate -, que logo buscaram um meio de faturar (mais) em cima da ideia. Daí veio este John Wick - Um Novo Dia para Matar, trazendo certas propostas que, se ampliaram o universo retratado, por outro lado diminuíram a força do exibido no original.
Para explicar melhor, retornemos a De Volta ao Jogo. De âmbito quase intimista, o longa investia em uma jornada pessoal do próprio John Wick contra aqueles que acabaram com o último elo que tinha com a falecida esposa: um cachorro. A imagem do lendário assassino imbatível, personificado por um Keanu Reeves zen, soava como uma ironia bem-vinda, que amplificava o tom absurdo e brutal das cenas de matança. Dentro do que se propõe a ser, trata-se de um filme redondo que não exigia mais do que era exibido.
Para justificar esta sequência, foi necessário ampliar o raio de alcance do universo em torno de John Wick. Desta forma, a Alta Cúpula não só é melhor explicada como ganha ramificações, em âmbito mundial. Só que, por mais que os fatos retratados sejam decorrentes do original, o tom pessoal foi completamente perdido. O que se vê é um Keanu Reeves lutando pela sobrevivência, como tantos outros personagens do tipo, sem o diferencial da raiva incontida pela perda de algo querido não mais existente. Ou seja, o personagem foi banalizado dentro de uma certa - vá lá! - complexidade que possuía até então, em nome da possibilidade de uma franquia lucrativa.
Diante desta nova realidade, John Wick tem início com uma intensa sequência de perseguição, repleta de atropelamentos e batidas muito bem executados e editados. Mérito do diretor Chad Stahelski, que aproveita toda sua bagagem como dublê profissional. Também funciona bem a inusitada metalinguagem, retratando a imagem de um motoqueiro caindo na parede de um prédio para, logo em seguida, o mesmo acontecer na rua diante do local. Stahelski, assim como no original (onde teve a parceria do também diretor David Leitch), demonstra que sabe conduzir cenas de ação. Só que John Wick, estranhamente, abdica por um longo tempo o que tem de melhor, abrindo espaço para que suas fraquezas sejam escancaradas.
Se o tom canastrão do galã italiano (e bom ator) Riccardo Scamarcio soa intencional, a história que o rodeia é de uma pobreza impressionante. O viés de vingança aliado a uma dívida pendente soa extremamente batido, com frases de efeito pipocando aqui e ali em um ambiente bastante estilizado. Apenas quando a ação retorna, já na reta final do longa-metragem, é que John Wick recupera um certo interesse, após um longo hiato onde demonstra absoluta falta de ritmo na narrativa. É quando entrega também um brinde especial: o reencontro de Keanu Reeves e Laurence Fishburne, pela primeira vez reunidos no cinema após a trilogia Matrix - e com direito a um diálogo saborosíssimo, repleto de duplo sentido, na primeira fala do eterno Morpheus.
É apenas no terço final que John Wick enfim diz a que veio, ao assumir de vez as cenas de ação. O tom de ironia retorna em momentos pontuais, com o uso do terno à prova de balas e no desfecho do primeiro embate com Cassian, interpretado pelo rapper Common. Stahelski mais uma vez demonstra habilidade em construir ambientações, seja na sequência nos túneis, que remete aos videogames em primeira pessoa, ou no confronto em meio a uma exposição sensorial, repleta de espelhos - que, à sua maneira, remete ao clássico A Dama de Shanghai, de Orson Welles. A tão badalada violência do filme original também retorna, especialmente na sequência do lápis, enquanto que Keanu Reeves, como de hábito, demonstra a inexpressividade e dedicação física que tão bem combinam com o papel.
Se por um lado agrada pelas intensas cenas de ação da reta final, John Wick também decepciona pela simplificação de seu personagem principal e pelo desleixo com o qual é tratada a adaptação de De Volta ao Jogo em uma franquia - que, como se espera em produções do tipo, deixa um baita gancho para o terceiro filme. A pergunta é: precisa?