Polaroides da modernidade
por Bruno CarmeloPelo estilo despojado, pelo baixo orçamento e pela história de amadurecimento, Mulheres do Século 20 aparenta ser um drama independente padrão, do tipo que confere mais importância à intimidade dos personagens do que ao meio em que vivem. No entanto, a produção revela uma ambição histórica ímpar: através de três mulheres nascidas nas décadas de 1920, 1950 e 1960, mas vivendo no final dos anos 1970, o diretor Mike Mills deseja traçar o panorama de um século inteiro de cultura americana.
É óbvio que o filme não dá conta de todas as passagens importantes, e nem teria como fazê-lo. Mas ele vai por caminhos metonímicos: situado principalmente dentro de uma casa, em conversas simples na cozinha e nos quartos, o projeto retrata a longa transformação nos modos de pensar de várias gerações nos Estados Unidos. De maneira divertida, porém incisiva, este lar recebe influências das duas grandes guerras, das presidências alternadas de democratas e republicanos, do aprofundamento do consumismo, da Guerra Fria etc. O personagem que une essas mulheres é o garoto Jamie (Lucas Jade Zumann), mas sua vida é moldada pela presença feminina ao redor. Ele funciona como os olhos do público, observando com atenção cada gesto do trio central.
Dorothea (Annette Bening), Abbie (Greta Gerwig) e Julie (Elle Fanning) unem-se por laços não sanguíneos: a matriarca aluga um quarto de sua casa para a jovem Abbie, que se torna uma amiga, enquanto Julie é confidente e interesse amoroso do filho, frequentando a casa quando bem entende. A concepção de uma família eletiva, em si, já seria bastante progressista, e os elementos tornam-se ainda melhores com a presença sedutora, mas perfeitamente orgânica, do pedreiro e locatário William (Billy Crudup), ressaltando a maneira como cada mulher lida com o sexo oposto. As três são fortes, determinadas, mas partindo de ideias diferentes, como a independência financeira no caso de Dorothea, o feminismo e o movimento punk no caso de Abbie e a psicanálise no caso de Julie.
As discussões são desenvolvidas por um roteiro de estrutura simples: Mike Mills cria uma série de episódios semi-independentes com uma dupla de personagens conversando sobre algum elemento cultural que não compreendem. Os diálogos são a força motora do projeto, que mescla imagens de arquivo e efeitos de pós-produção para trazer algum tipo de complexidade a uma imagem que poderia ser meramente ilustrativa, submissa aos embates verbais. A escolha do elenco contribui à pluralidade destes mini-Estados Unidos representados por um único lar: o estilo careteiro de Bening contrasta com o despojamento corporal pós-moderno de Greta Gerwig, que por sua vez completa o estilo duro e técnico da excelente Elle Fanning, moldada pelas experiências com a família Coppola.
Mulheres do Século 20 apresenta alguns problemas, no entanto. Mike Mills trabalha com uma direção de fotografia excessivamente nítida e saturada, que talvez vise o naturalismo extremo, registrando cada poro dos rostos e detalhe das roupas, mas acaba distraindo o espectador por chamar muita atenção a si mesma. A narração do futuro quebra a bem-vinda impressão de imediatismo. Os efeitos em arco-íris para a fuga no carro, as acelerações durante as elipses e a má captação de som dentro dos banheiros e cozinhas também revelam a indefinição conceitual entre o realismo apreensivo, de pouca interferência no ambiente, e o realismo representativo, colando símbolos que não costumam conviver para criar um mosaico completo. Às vezes a mão do diretor é pesada demais, às vezes mostra-se frouxa. Mesmo assim, as ricas discussões e a qualidade das atuações compensam as deficiências, fazendo deste projeto um raro título indie capaz de dar conta de profundas ambições sociológicas com leveza e ironia.