A mulher que observava
por Bruno CarmeloTodos os dias, Isaura (Branca Messina) fica sentada à beira do mar, enquanto o marido João (Fernando Alves Pinto) vai à pesca. Ela não trabalha, não cuida da casa, não ajuda com os peixes. Apenas faz crochê, para passar o tempo. Aos poucos, o casal percebe que existem menos peixes na região. João se preocupa, mas Isaura apenas observa e faz crochê. Décadas mais tarde, os peixes se foram, a água secou, o marido não se encontra. Isaura continua no mesmo lugar, com o mesmo vestido, o mesmo crochê, observando com alguma surpresa a paisagem.
Esta é basicamente a trama inteira de Cada Vez Mais Longe, filme que estica sua singela poesia até a duração de 70 minutos, o mínimo para ser considerado um longa-metragem. A princípio, esta poderia ser uma releitura contemporânea do mito de Penélope, a mulher solitária que fazia e desfazia seu tecido enquanto aguardava o retorno de Ulisses. Mas a personagem grega buscava driblar a pressão social, e ganhar tempo até o retorno de seu amado aventureiro. Isaura, por sua vez, não demonstra amor profundo, nem sofre com qualquer pressão ao redor. Até porque a sociedade é inexistente neste microcosmo cortado do mundo.
Os diretores Eveline Costa e Oswaldo Eduardo Lioi procuram efetuar uma denúncia ecológica através da fábula atemporal. Por um lado, ganham em lirismo: a dupla sabe trabalhar os ruídos locais, a depredação gradual da natureza, os limites físicos entre a terra e a água. Por outro lado, perdem em especificidade e caráter político: o espectador ignora o local onde se passa a trama, e um letreiro final surge para explicar informações importantes que as imagens não conseguiram representar por conta própria. A prioridade é a poesia, num minimalismo que beira a ingenuidade – vide o vestido único, a casa inexistente, os trapos pendurados no varal.
Política e poesia nunca foram incompatíveis, pelo contrário: filmes como Clash, Big Jato, Neruda e Poesia Sem Fim são alguns dos títulos recentes que efetuaram muito bem a ponte entre ambos. Entretanto, para que a beleza nasça do contexto ao invés da estética de cartão postal, é necessário que os personagens sejam complexos, verossímeis, assim como a sociedade em que vivem. Na trama, várias perguntas fundamentais permanecem sem resposta: por que Isaura não se ocupa com nenhuma outra atividade? Por que ela não busca conhecer as origens do problema, nem fornecer possíveis soluções ao mesmo? Onde moram as outras pessoas deste cenário deserto?
Pelo tom rigidamente observacional, Cada Vez Mais Longe impede a reflexão. Ele não fornece atritos, nem desperta possíveis relações de causa ou consequência. O comodismo de Isaura transforma-se no comodismo do projeto como um todo: constata-se muito bem, mas não se propõe nada além da percepção do problema. Os atores, felizmente, compreendem o escopo mínimo do projeto e jamais forçam as ações para terem um significado maior do que possuem. Fernando Alves Pinto, Branca Messina e Neila Tavares estão competentes em seus papéis. Mas seus personagens carecem de psicologia, motivações, atitudes marcantes, ou algum tipo de tensão nos silêncios, para que a presença humana se transforme em algo mais do que figuras fantasmáticas perambulando pela paisagem vazia.