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    Anna K.
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    Anna K.

    Luz e trevas

    por Francisco Russo

    Sabe quando você conhece de cor e salteado o trecho de um filme (ou série, ou livro), tantas foram as vezes que pôde assisti-lo? Imagine então um impacto tão grande que, além de alterar sua própria percepção de mundo, faça com que você comece a se vislumbrar como se fizesse parte deste universo. Mais ainda: a confusão mental seja tão grande que surja dentro de si uma segunda pessoa, quase um alter-ego, influenciado por este mesmo filme/série/livro. Complicado, não? Pois é este viés psicológico o ponto de partida de Anna K., que acompanha justamente uma mulher que, de tão apaixonada por “Anna Karenina”, passa a acreditar ser ela mesma uma versão do livro escrito por Leon Tolstoi.

    Mais até do que desenvolver o lado psicológico, o diretor de primeira viagem José Roberto Aguilar está mais interessado em trabalhar o tema da dualidade, que surge de variadas formas: luz e trevas, amor carinhoso e sexo selvagem, cores neutras e quentes, amor e ódio. Sempre a partir de uma reverência não apenas ao clássico de Tolstoi, mas à cultura russa como um todo: há desde elementos icônicos do país, como a vodca, até citações a artistas do porte de Mayakovsky e Dostoievsky. Há ainda um esforço no sentido de explorar elementos da dança e de instalações artísticas, seja através de simbolismos ou da própria beleza visual, de forma a inserir as artes plásticas na própria linguagem cinematográfica.

    Por todos estes elementos, Anna K. é conceitualmente um filme interessante. Entretanto, nada disto é capaz de salvar o filme do fracasso estrondoso no desenvolvimento de sua premissa original, a tal dupla personalidade da protagonista. Por vários motivos. A começar pela interpretação caricata de Leona Cavalli, que aposta em versões tão antagônicas entre si que faz com que nenhuma delas soe verossímil, em momento algum. O roteiro, também de autoria de Aguilar, investe em conflitos infantis entre as duas personas e ainda oferece pérolas nos diálogos do porte de “eu sou russo, logo, sou um paladino da justiça” (???). Entretanto, nada supera a ausência absoluta de lógica dentro da história proposta. É impressionante como, mesmo considerando ser esta uma trama altamente psicológica, não há uma base que dê alguma consistência ao filme como um todo.

    Para explicar melhor o tamanho do problema, basta dizer que a personagem de Leona Cavalli não apenas possui dupla personalidade, como ainda consegue projetá-la para que outras pessoas vejam ambas. Este é o caso do professor de russo jogado aos leões, como proposta de tratamento sugerida pelo analista de plantão – que surge apenas em dois momentos, com a nítida função de conceituar o que está acontecendo. É ele quem assiste aos conflitos internos (e externos, não se esqueça!) da personagem principal, além de se apaixonar por ela (óbvio!).

    Com um roteiro flertando com o absurdo de forma não-intencional, Anna K. caminha rumo ao ridículo. A previsibilidade do desenvolvimento narrativo, aliada à aparição constante de trens em referência ao desfecho do livro, é outra questão relevante, assim como o fato do coprotagonista (Vadim Nikitin) ser um não-ator que jamais demonstra estar à vontade em cena. Apesar das boas intenções, e até de duas belas cenas envolvendo a projeção de Leona Cavalli, Anna K. é um filme muito ruim graças aos rumos equivocados e justificativas frágeis que sua trama assume.

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