Apesar da Noite: Crítica AdoroCinema

Apesar da Noite é um filme estranho. Porém instigante. Intrigante. Do tipo que incomoda de cara e assim segue até tragar a atenção do espectador — com sucesso.

Numa sucessão de cenas dotadas de certa verborragia, que menos dizem sobre a trama do que refletem relações quebrantadas, a câmera na mão de Philippe Grandrieux nunca gera um senso de proximidade ou naturalismo, apesar de sempre perto dos personagens (tantas vezes de suas genitálias). Os diálogos são teatralizados. As imagens são carregadas de desfoque, slow motion, transparências e se posiciona de maneira confusa. O close constante serve ao deslocamento das pessoas do mundo que as cerca, e combina com sua narrativa elíptica. Pouco se sabe sobre o enredo de Apesar da Noite por uns 40 minutos, quiçá uma hora.

O radicalismo na forma proposto por Philippe Grandrieux esconde uma trama simples, até exígua (e um tanto decepcionante). No entanto, em seu efeito tantas vezes entorpecente, reflete bem o estado de espírito de Lenz (Kristian Marr), o jovem inglês que retorna a Paris para encontrar sua amada, Madeleine. Nessa busca pouco exitosa, ele se envolve com Hélène (Ariane Labed, numa atuação de profunda entrega), mulher casada com um homem mais velho que se submete a uma violência sexual cada vez maior, como que assim testasse estar viva; e Lena (Roxane Mesquida), uma cantora que seria o par perfeito de Lenz — pela juventude, beleza, não somente o nome de métrica igual que só se diferencia pelas letras polares do alfabeto — mas, uma vez desprezada, se torna o seu maior perigo, personificado por seu poderoso pai Vitali (Johan Leysen, sedutor, brutal, uma versão terrena do diabo).

Hélène e Lena são, assim, um ingresso de Lenz no submundo da capital francesa. Da indústria pornográfica hardcore ao snuff movie, tipo de filme (e de crime) que grava assassinatos reais. Philippe Grandrieux explora esses subtemas controversos de modo coeso com sua proposta, mais atenta ao grafismo das cenas. Nesse sentido, Apesar da Noite é muito bem-sucedido. Mesmo que se estenda um bocado, é um filme que elabora composições (imagéticas e sonoras) deslumbrantes ao retratar o lado mais sombrio, selvagem, subversivo do ser humano. Inclusive, principalmente, quando o objetivo é justo o de gerar repulsa.