Todo inicio de ano os cinemas são invadidos por algum trabalho de animação da Disney. É uma espécie de tradição, realmente. Mesmo que por um lado sejam enormes peças de marketing (capazes de fazer vários pais levarem seus filhos aos cinemas), é inegável que o estúdio mantém uma qualidade artística realmente boa sobre suas obras – facilmente, cito Toy Story 4, Viva – A Vida é uma Festa, Moana, entre tantos outros, que cumpriram muito bem seus papeis – e, ao lembrar de outro sucesso deles, no caso o Frozen original, era interessante imaginar os novos rumos dos queridos personagens concebidos na obra de 2013 – tendo em vista que era uma produção que ousava em descaracterizar as clássicas princesas Disney de suas histórias onde necessitavam da presença de algum príncipe – Frozen era um lindo e atualizado discurso do estúdio sobre a importância do feminismo – afinal, tinha a rainha Elza, que não precisou de nenhum homem para conseguir governar seu reino – e sua irmã, a princesa Anna, aprendeu muito sobre se relacionar com homens – conhecendo o canalha Hans e depois o simpático e bondoso Kristoff – e, com o adorável boneco de neve mágico Olaf, elas aprenderam que o amor verdadeiro não dependia de romances – poderia estar no relacionamento de duas irmãs, vitimas de decisões e mentiras de um passado imposto por sua família.
De fato, Frozen era uma história poderosa – captada com todas as nuances de emancipação feminina e critica a uma sociedade patriarcal, um tipo de mensagem que surpreendia por ser passada em uma obra infantil – escrita e dirigida por Jennifer Lee (a primeira mulher a dirigir um longa metragem da Disney, em mais de 100 anos de história do estúdio!) – e co-dirigida por Chris Buck, baseado em um conto de Hans Christian Andersen – o filme original foi um mega sucesso de público e critica, merecidos. E, agora, indo para sete anos depois, podemos conferir o que se seguiu com o quinteto do reino de Arendelle – desta vez, Elza (voz de Idina Menzel), Anna (Bell), Kristoff (Groof), Olaf (Gad) e o alce Sven se veem diante de uma nova aventura – e ameaça – a rainha Elza começa a ouvir um estranho chamado vindo do norte, algo que pode ser uma ameaça para seu reino – obrigando os cinco personagens a tentarem adentrar em uma misteriosa e enfeitiçada floresta, onde, anos antes, uma batalha entre o exercito de Arendelle e os habitantes do local fez com que ela se fechasse, junto de seus elementos mágicos misteriosos – algo que deixa Elza e Anna ainda mais intrigadas, já que tem uma relação com uma história que seus pais lhe contaram quando crianças – para confrontar o desconhecido inimigo, Elsa precisará, novamente, sacrificar promessas e sua lealdade à irmã.
É evidente que o roteiro de Jennifer Lee mantém as questões de se libertar dos paradigmas e imposições que algumas famílias impõem a seus filhos – já esclarecida de seus poderes, Elsa agora precisa dar um passo além em sua vida, descobrir suas raízes com o passado – e, de fato, a busca por saber a origem de seus poderes é a coisa mais curiosa do projeto – entretanto, é evidente que a história não possibilita algo mais profundo a respeito dos sentimentos e características de cada personagem – o que deixa a trama com cara de apenas um reaproveitamento dos discursos já feitos antes.
Ora, Anna agora já é uma mulher evoluída – como o próprio Kristoff brinca em certo ponto, ela “não ficaria mais com um homem que acabou de conhecer”, como fez no longa passado – aliás, apesar de ser divertida, a relação de Anna com Kristoff é explorada apenas para o uso do humor – as formas desengonçadas que ele tenta pedi-la em casamento (e nunca consegue), sempre seguidas de piadas, onde Anna entende errado alguma coisa – apesar de divertidos, esses momentos parecem deixar Anna um tanto ingênua demais – e isso é um erro, já que sua personagem é, sem dúvida a mais interessante e multifacetada do quinteto – sua simpatia e agilidade de falar a tornam, mais uma vez, bastante carismática – e, felizmente, tais características sobrevivem bem em Frozen 2, o suficiente para que o elo central desses dois filmes ainda funcione bem – sua relação com Elsa – e, justamente, o que nos leva ao ponto mais importante da história – que envolve decisões de familiares antigos de sua família – decisões que influenciam as vidas do povo de Arendelle – não deixando de ser uma reflexão sobre costumes tóxicos e preconceitos enraizados pela família.
Não deixa de ser um discurso com poucas diferenças em relação ao primeiro filme, o que nos traz para uma mesmice, que nem a solução do tal chamado que Elsa recebe parece trazer algo novo – pelo contrário, Jennifer e Chris Buck tentam, próximo do terceiro ato, surpreender a todos com algo impactante e emocionante – mas por poucos minutos, o que, convenhamos, não dá tempo de emocionar ninguém – enfim, algo que demostra a previsibilidade do roteiro – pouco inspirado para criar reviravoltas ou situações marcantes como o filme anterior.
Inclusive tal preguiça se estende para a concepção visual – os quatro elementos da floresta, vento, fogo, água e terra, são representados de maneira simplória – devo confessar que daria um prêmio de “melhor criatura fofa” para o pequenino lagartinho que representa o fogo – mas, de resto, o filme traz criações que soam ingênuas, se comparadas com as criaturas de pedras que já vimos em outras obras de fantasia – O Senhor dos Anéis ou O Hobbit, por exemplo – sem falar que é bastante obvia a identidade de um “misterioso” quinto elemento... ou até mesmo a maneira batida de apresentar fatos passados através de estatuas ou gelos que representam histórias antigas – apesar da qualidade de animação ótima, como de habitual, eu senti uma certa falta de capricho, principalmente se comparado a obras como Up – Altas Aventuras, Wall-E ou Os Incríveis – além daqueles que citei no começo – ainda assim, o visual de Frozen 2 continua belo, mesmo que sem muita inovação.
E, infelizmente, isso também acontece com as canções, que, desta vez, realmente atrapalham a narrativa – algo que o filme original era imbatível – realmente, não deixa de ser enfadonho acompanhar músicas que só estão ali para descrever sentimentos que já conhecemos sobre os personagens – apesar de bonitas, canções como “Lost in the Woods” ou “Into the Unknown” (a melhor desta sequência), só expõe os personagens a situações repetitivas – não há o “encaixe” perfeito como acontecia com “Do You Want to Build a Snowman?” ou com a já clássica “Let It Go” – essa chega a ser citada no momento mais divertido do filme, quando Olaf faz uma hilária recapitulação do filme original – atente para uma cena pós-crédito assim também.
Enfim, o que realmente salva Frozen 2 são seus personagens – seja por seus dilemas humanos, ou pelo bom uso do humor – e, como disse antes, Olaf é um coadjuvante impagável, que nem mesmo suas ligações um tanto forçadas com os acontecimentos do último ato atrapalham – culminando em uma obra que não traz muitas novidades, mas mostra que a história de Elsa e Anna são dignas de muita atenção – e, se houver mais alguma sequência, em algum tradicional inicio de ano da Disney, espero que o elemento “ousadia” volte a reinar sobre nossos queridos habitantes de Arendelle – afinal, tanto a rainha quanto a princesa, são capazes de quebrar paradigmas e convenções que já são do passado deste gênero.