Tempo de Transformação
por Laysa ZanettiQualquer sequência de um filme chega com uma missão e um peso sobre as costas. O compromisso de superar ou de se equiparar ao original ou de, pelo menos, atender às muitas expectativas, naturalmente impõe alguns marcos que supostamente devem ser atingidos pela obra. Não seria diferente com Frozen 2. Mas, ao invés de olhar para o futuro, a nova animação dá um passo para trás antes de reiniciar a história das irmãs Elsa (Idina Menzel) e Anna (Kristen Bell). Trata-se, no fim das contas, de uma investigação mais aprofundada de perguntas que ficaram sem respostas no primeiro filme, sem medo de mergulhar de cabeça em lendas, magias e laços partidos.
Para fazer essa investigação das origens, Frozen 2 traz flashbacks e se propõe imediatamente a solucionar determinadas questões que, antes, haviam sido estabelecidas simplesmente como fatos concretos, banais e rotineiros. A origem dos poderes de Elsa, o destino da Rainha Iduna (Evan Rachel Wood) e do Rei Agnarr (Alfred Molina) quando saíram em uma viagem que levou ambos à morte e por que Anna é diferente da irmã são perguntas imediatamente trazidas à tona, e posteriormente amarradas na trama com a temática que perpassa por toda a história: o amadurecimento.
Este amadurecimento é incluído na história de várias formas, a mais interessante e marcante delas é através de um Olaf (Josh Gad) extremamente existencialista e questionador sobre os efeitos do tempo e sobre qual a melhor forma de lidar com a tsunami de sentimentos que eventualmente o invadem nesta nova fase de sua existência. Afinal de contas, a história retoma seis anos após os eventos de Frozen - Uma Aventura Congelante, e esta transformação acaba se encaixando de forma natural no desenvolvimento da trama. Isso porque, apesar de tudo parecer estar caminhando nos conformes em Arendelle sob o comando de Elsa, a rainha começa a ouvir uma voz que a chama para algum lugar, e quando ela percebe que ninguém mais é capaz de ouvir este mesmo chamado, assume para si a missão de descobrir o que está acontecendo e solucionar este mistério.
Curiosamente, este instinto de assumir para si e tomar a frente das missões é aquilo que une as irmãs e ao mesmo tempo o que faz as duas entrarem em conflito. É interessante observar que o mesmo amadurecimento espelhado em Olaf é retratado na dinâmica entre as duas personagens, seja porque ambas querem estar à frente dos acontecimentos ou porque uma sempre tenta proteger a outra ao mesmo tempo em que nenhuma delas acha realmente necessário ser protegida.
Quando este conflito pelo controle da situação toma a frente da história, acaba também refletindo em uma segunda meditação ampla para a qual Frozen 2 se abre. A jornada de Elsa, Anna, Olaf, Kristoff (Jonathan Groff) e Sven leva o grupo até a floresta encantada que é regida pelos quatro elementos (água, ar, fogo e terra), e um eventual encontro com um grupo de nativos levanta hipóteses e expande o quanto os diretores Jennifer Lee e Chris Buck estão dispostos a entrar em temas que, sob certas óticas, podem ser lidos até mesmo como espinhosos, sobretudo levando em consideração o tradicionalismo clássico do estúdio.
Por isso, o mero levantar de ideias como o poder do medo no controle de uma população por meio das “fake news”, a exclusão de pessoas com poderes mágicos do convívio natural em sociedade ou a simples aceitação de que o passado não é imaculado simplesmente por ser o passado — até mesmo temas como “os pecados do pai” vêm à tona — já é um grande passo. Ainda que se atenha de aprofundar de verdade qualquer um destes subtextos, Frozen 2 é certamente um filme surpreendentemente maduro e até mesmo sombrio, repleto de materiais sobre os quais os fãs mais vidrados poderão se debruçar por anos. Aliás, não seria exagero dizer que é uma das animações recentes da Disney que mais se aproximam do paganismo, justamente pela forma como ele se conecta a mitos e lendas e ao papel dos elementos da natureza na regência de determinadas ações.
Ainda que o clamor do público por uma sequência de Frozen possa ter sido o motor inicial para a existência desta continuação, Buck e Lee demonstram bastante maturidade ao trazerem uma história imersa no que já existiu e que é apresentada de uma forma que o público compreenda que tudo já estava ali desde o início. É natural que os espectadores mais atentos decifrem o desenrolar da história do meio para o final, mas ainda assim trata-se de um filme que sabe muito bem brincar de formas que atinja todas as idades. O número musical de Kristoff que faz piada com o exagero e a breguice da década de 1980 está fadado a deixar sua própria marca enquanto, paralelamente, a expansão deste universo não deixa de estrategicamente abrir espaço para eventuais novas histórias.
Tecnicamente, o ponto alto aqui é o bom uso dos efeitos visuais junto à animação para o desenrolar da história. Cenas como aquela em que Elsa enfrenta Nokk, o cavalo feito de água (confie, isso faz algum sentido) e todo o ato final são deslumbrantes não apenas no uso ousado das cores, com tonalidades neon, como em uma brilhante justaposição de elementos que faz com que seja possível discernir o que são pequenos pedaços de gelo no meio de uma onda gigante que se aproxima, por exemplo. E, como não poderia ser diferente, canções como “Into the Unkown” (ou, em português, “Minha Intuição”) e outras baladas grudentas conseguem se aproximar do efeito da trilha sonora do longa original, embora dificilmente tenham a mesma imersão na cultura pop recente.
Por tudo isso, o maior feito de Frozen 2 é se distanciar das muitas expectativas e construir uma história corajosa no sentido de abraçar temas que ampliem o universo das irmãs ao mesmo tempo em que segue atualizando a história — dessa vez, sem se prender de forma tão enraizada a uma estrutura clássica, como a do autor dinamarquês Hans Christian Andersen. Existe um senso de completude no lugar eventualmente alcançado por Anna e Elsa que, embora não faça com que essa sequência seja uma das raras inquestionáveis e essenciais, faz do filme uma marca importante caso a Disney queira fazer como Elsa e trilhar um caminho rumo ao desconhecido.