Bonito, mas ordinário
por Renato HermsdorffBaseado em uma história real, Pequeno Segredo é focado na adoção da menina Kat pela família Schurmann, que ficou conhecida como os primeiros brasileiros a dar a volta ao mundo em um veleiro, expedição exibida em tempo real pela internet, que rendeu livros, quadro no Fantástico – o programa semanal da TV Globo – e até filme, o documentário O Mundo em Duas Voltas (2007).
Dada a visibilidade a que a família se submete há quase três décadas, o segredo de Kat nem é tão segredo assim. (Porém, se você desconhece o episódio e não tem interesse em saber a revelação de antemão, segue aqui um aviso de spoiler). spoiler: A garotinha, que entrou para a família com cinco anos de idade, é portadora do vírus HIV. Embora nem mesmo os nomes reais dos “personagens” envolvidos na “trama” tenham sido omitidos ou alterados, trata-se de uma obra de ficção - encenada, portanto.
Biologicamente, Kat (Mariana Goulart) é fruto do amor arrebatador entre a paraense Jeanne (Maria Flor) e o neozelandês Robert (Erroll Shand, de Oeste sem Lei), um tipo, até então, “desgarrado” do mundo. Quando o casal vai visitar a família dele no país da Oceania, acaba se esbarrando com a família Schurmann e, daí, nasce um forte laço de amizade entre eles.
Até o ponto de contato, Pequeno Segredo se desenvolve em duas linhas narrativas, uma que dá conta do presente de Kat; outra que desenvolve o passado de seus pais; num hábil trabalho de montagem de Gustavo Giani (Linha de Passe, O Banheiro do Papa).
Conhecemos Katherine (ou Kat) por meio de situações pelas quais toda garota de 12 anos passa: o primeiro sutiã, o primeiro crush da escola, a necessidade de autoafirmação nas aulas de balé, o bullying das meninas populares. Apesar de aparentar mais nova do que de fato é – o que está ligado ao segredo –, o filme é exitoso em apresentá-la como “normal” – o que, de fato, Kat é. O estranhamento fica por conta da superproteção da mãe, Heloísa (Júlia Lemmertz, um mar de segurança no papel) - uma construção propícia para o estabelecimento do clima necessário de curiosidade a respeito do tal segredo do título. Em outras palavras: o longa tem o cuidado de preparar o espectador para a chegada do drama, propriamente dito.
Embalado por uma trilha tocante e ao mesmo tempo pesada – pelo excesso do uso – do cultuado Antonio Pinto (Amy), o filme segue como se espera para o “formato”: um melodrama carregado.
O comando dessa história (uma verdadeira “história de cinema”, diga-se) por David Schürmann (que já havia retratado a própria família em O Mundo em Duas Voltas) é questionável. Como irmão (estamos falando de vida real) de Kat, o filme é tendencioso. Retrata os Schurmann como heróis em seu amor incondicional pela menina, ao mesmo tempo em que trata a avó da criança, Barbara, como uma típica megera. Como uma bruxa da Disney que tenta “roubar” a neta dos pais adotivos, o papel de Fionnula Flanagan (Lost, Os Outros) é o mais subaproveitado e unidimensional do filme. E, convenhamos, “pintar” Maria Flor de morena para encaixá-la na pele de uma nortista é, no mínimo, um mau gosto que ecoa os tempos do “black (ou brown, no caso) face”.
Pequeno Segredo é, sim, um dramalhão recheado de clichês que força a mão no choro fácil – e, por isso, ordinário (no sentido de genérico). Mas, longe de ser um dos “piores filmes brasileiros recentes”, como já foi dito sobre o longa, é de um acabamento técnico raro (bonito) na cinematografia nacional.