Menos é mais. Ou deveria ser.
por Renato HermsdorffO cinema de Alexander Payne não é facilmente enquadrado em uma categoria ou característica principal. Mas não seria errado dizer que o diretor/ roteirista tem uma mão boa para apresentar a complexidade das relações interpessoais com delicadeza (e humor). Só para ficar nos exemplos mais recentes, são dele Nebraska (2013) e Os Descendentes (2011), que disputaram as principais categorias do Oscar nos últimos anos. A estreia Pequena Grande Vida, portanto, vem cercada de altas expectativas - e não poderia ser diferente.
Mais uma vez, Payne explora o inusitado de uma situação aparente mundana. No entanto (é importante frisar), nunca antes na história deste cineasta, de forma tão calcada na fantasia. Downsizing (no original) trata de um mundo (aparentemente não tão distante) onde a ciência evolui a ponto de ser capaz de encolher qualquer pessoa, sem efeitos colaterais (e de forma irreversível). Mas, você se pergunta: por que alguém ia querer isso? Há basicamente dois motivos.
O primeiro - e principal objetivo do estudo - tem a ver com o meio-ambiente (e, consequentemente, é também econômico). Em um planeta superpovoado como o nosso, a “redução” do ser humano ao tamanho de uma boneca Barbie geraria uma economia tremenda das fontes de alimentação e água - fora a considerável diminuição da quantidade de lixo produzida por nós. Já no âmbito pessoal, seria possível amplificar o padrão de vida de qualquer um, a um custo infinitamente menor do que o dispensado pela “gente grande”.
É essa segunda motivação a que impulsiona o “herói” dessa história, o operário-padrão Paul Safranek (Matt Damon), que só quer se livrar das dívidas, do tédio e viver com um pouco mais de conforto ao lado da esposa, Audrey (Kristen Wiig, hilária como de costume).
A premissa quase infantil é coisa séria. E resulta em momentos divertidíssimos. Do comunicado do bem-sucedido projeto norueguês à comunidade científica, passando pela técnica de “diminuição” em si, o que se apresenta é um instigante plot narrativo. Claro que, quando a esmola é demais, o santo desconfia. E algo de errado acontece (tem que acontecer) em meio a uma promessa de vida tão espetacular.
A partir desse ponto de virada (sim, estamos fugindo do spoiler. De nada), porém, a produção embarca em um caminho completamente diferente daquele anunciado originalmente. E a questão central das consequências do “encolhimento” assume mera coadjuvância num enredo que passa a ser excessivamente emotivo, abandonando o tom de sátira para dar lugar a uma abordagem mais convencional.
Vale a ressalva de que o “segundo filme” é caracterizado pela entrada de Christoph Waltz como o vizinho de Paul, um estrangeiro excêntrico e falastrão (até quando, Hollywood; até quando??), em contraponto à faxineira vietnamita refugiada Ngoc Lan Tran, um dos destaques do longa, interpretada com igual honestidade e complexidade por Hong Chau (Vício Inerente, Big Little Lies).
Tivesse Alexander Payne confiado que menos é mais, como ele mesmo nos mostrou, Pequena Grande Vida seria um filme muito maior.
Filme visto no 42º Festival de Toronto, em setembro de 2017