(...)Stephen Lang faz uma interpretação fantástica: ele é um veterano de guerra solitário, que perdeu sua filha e atualmente seu único companheiro é um cachorro – o qual é a perfeita reencarnação do famoso Cujo de Stephen King. Neste ponto, a moralidade dos adolescentes é até questionada. Quem consegue se aproveitar de uma deficiência física para roubar dinheiro de um herói de guerra? Nas palavras de Money: “Não é porque ele é cego significa que ele é um santo”.
Assim, o que parecia até então ser um homem indefeso, se torna em um monstro que resolve tomar aquele ato criminoso para uma justiça com as próprias mãos. Aí, é muito interessante como aquele homem cego consegue entender tudo o que acontece ao seu redor apenas com a exploração dos quatros sentidos, totalmente aguçados.
Temendo pelas suas vidas, os ladrões têm que a todo custo sair daquela casa muito bem trancada e selada. As portas de saída, em um efeito maravilhoso, se distanciam cada vez mais de nós, dando a impressão de algo inalcançável.
A partir daí, entramos em um jogo de perseguição que nos lembra muito a brincadeira de “cabra cega” de nossa infância; em um local que se transforma praticamente em um labirinto. Qualquer movimento, qualquer respiro, qualquer ranger do chão é um motivo de tensão e o completo silêncio da trilha vira um tormento. Os ângulos inclinados acentuam a frustração e a confusão dos personagens e os primeiríssimos planos nos faz sentir claustrofóbicos. Junto com uma maravilhosa direção de fotografia de Luque, o diretor uruguaio consegue provocar surpresas e sustos bastante eficazes, a partir da criação de momentos e reviravoltas imprevisíveis.
Consequentemente, temos essa inversão de papéis entre o “vilão” e o “herói”. Neste quesito, contudo, há algumas falhas de desenvolvimento. Os ladrões são humanizados, cada um possuindo arco interno dramático, uma história que até os transforma em vítimas. E eles podem até ser, mas o que talvez fosse mais interessante era se essa troca fosse mais intensificada, para criar um impacto maior e evidenciar o objetivo do filme. Além disso, as cenas, nas quais mostram os rituais de assalto e, portanto, a forma como os três personagens atuam em conjunto para praticar esses crimes, é filmada em um ritmo mais acelerado, e pouco explorado. Como cada um, individualmente, é tão diferente que não identificamos exatamente qual é a ligação entre eles, ou o que os mantém unidos, salvo o triângulo amoroso que motiva os resgates.
Apesar disso, o roteiro é bastante sólido, coerente e crível. Trata-se de uma crítica muito profunda acerca de nossos pré julgamentos (que viram preconceitos) em relação às pessoas. Até porque, em tese, teria justificativa para alguém roubar o patrimônio de outrem? E o que seria tão perturbador em um idoso cego?
Esta obra coloca uma discussão muito séria também sobre o fato de que a sociedade isenta muito facilmente as pessoas que fazem “justiça” com as próprias mãos. O que seria mesmo “justiça”? Durante a trama, vemos um homem ser autor de atos tão grosseiros, nojentos e desumanos que até esquecemos que os três personagens estavam errados em primeiro lugar. Isto, por óbvio, é executado propositalmente para, não somente definir o papel de Lang como o vilão da trama, mas também para que nós reflitamos sobre algumas atitudes que consideramos como aceitáveis.
Afinal, será que podemos realmente permitir que alguém a manter um cativeiro, praticar torturas ou matar outras pessoas, meramente por uma vingança passional?