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    A Cidade Onde Envelheço
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    A Cidade Onde Envelheço

    As emigrantes

    por Francisco Russo

    Se cada país tem sua cultura e particularidades, inevitável é lidar com um certo choque ao viajar para outras localidades - e nem necessariamente precisa ser no exterior, vide as imensas diferenças existentes no próprio Brasil. Trata-se de uma sensação íntima de estranhamento, de não-pertencimento aquele lugar, por mais que esteja nele habituado e até mesmo adaptado. Algo que Caetano Veloso captou tão bem na canção "Sampa":

    "Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto

    Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto

    É que Narciso acha feio o que não é espelho

    E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho"

    A Cidade Onde Envelheço, novo trabalho da diretora Marília Rocha, trata justamente deste sentimento, retratado a partir de duas amigas portuguesas que decidem vir morar no Brasil. Uma delas já vive em Belo Horizonte há quase um ano, enquanto que a outra acaba de chegar. De personalidades quase antagônicas - Francisca gosta da solidão, é perfeccionista e mais séria, enquanto Teresa é espevitada e agitada -, elas de início se respeitam e, aos poucos, desenvolvem uma dinâmica mais próxima a partir da própria convivência e da compreensão das características da outra. É neste ponto que o longa brilha, intensamente.

    Bastante delicado, o roteiro do longa-metragem oferece diálogos espirituosos e envolventes, de uma naturalidade impressionante. A natureza crítica de Francisca leva a alguns questionamentos sobre o modo de ser do brasileiro, no sentido do estranhamento do diferente tão bem citado por Caetano, mas sempre com uma leveza típica de um filme solar. Por outro lado, há também uma certa melancolia, retratada pela saudade de casa e o reconhecimento íntimo de que tal desconforto nada mais é do que a dificuldade de aceitar aquilo como seu.

    Diante de tamanha habilidade com sensações e palavras, A Cidade Onde Envelheço ainda conta com belas atuações de suas protagonistas: Francisca Manuel (Francisca) e Elizabete Francisca Santos (Teresa). Por mais que por vezes seja difícil compreender o sotaque português de ambas, elas demonstram uma desenvoltura que potencializa a proposta do roteiro.

    Bastante sensível, A Cidade Onde Envelheço é um filme que fala sobre as opções de vida que assumimos. Se por um lado traz a alegria da descoberta pela vida em um novo ambiente, e a necessária adequação às suas particularidades, aborda intrinsecamente nossas origens, aquilo que nos tornou o que somos. Isto entremeado a situações brasileiras muito bem pontuadas, como a sinceridade malandra do divertidíssimo Neguinho (Wederson Neguinho), o cenário do rock alternativo em Belo Horizonte, o jogo de sinuca entre as amigas e a bela sequência pontuada pela canção de Jards Macalé. Um belo filme, para ver e refletir.

    Filme visto no 49º Festival de Brasília, em setembro de 2016.

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