Salia Kahawatte (Kotja Ullmann, de O Homem Mais Procurado), chamado carinhosamente de Sali por sua família e amigos, é um jovem alemão filho de um imigrante cingalês que tem um sonho para depois de tornar-se no ensino secundário: trabalhar no ramo hoteleiro. Tudo seguia de acordo com seus planos quando algo inesperado acontece: ele começa a perder a visão.
Um exame oftalmológico revela que houve um descolamento de retina e uma cirurgia é necessária, mas o médico desengana Sali: mesmo com a cirurgia ficará com apenas 5% da visão.
Apesar deste trágico acontecimento, Sali está disposto a ir atrás de seu sonho e, sem revelar o seu problema de vista, consegue um estágio no hotel mais luxuoso de Munique. Lá, conhece e torna-se amigo do paquerador Max (Jacob Matschenz, de A Onda) e apaixona-se pela entregadora de verduras e legumes, Laura (Ana Maria Mühe, de A Condessa).
Sali agora terá de esforçar-se para ser aprovado no estágio sem que percebam a sua vista quase inexistente. Mas, para isso, terá que enfrentar o rigoroso e arrogante gerente responsável pelo bar, Kleinschmidt (Johan von Bulow, de 13 Minutos).
Segundo o site oficial do Dr. Drauzio Varela, "Descolamento de retina é uma alteração que se carateriza pelo desprendimento dessa estrutura da superfície interna do globo ocular. (...) Os sintomas são outros: visão turva e embaçada, sombra central ou periférica (...), flashes luminosos, "moscas volantes" (...) e, nos casos mais graves, perda total da visão" (veja aqui).
No Brasil, o caso mais famoso de descolamento da retina é o do futebolista Tostão que, devido a esse infortúnio, foi obrigado a encerrar prematuramente sua carreira com apenas 27 anos de idade.
Esse esclarecimento foi necessário para uma melhor compreensão da análise que se segue.
De alguns anos para cá, o cinema alemão passa por boa fase, com ótimas produções tais como o thriller As Mentiras dos Vencedores (2014), que questiona o papel da mídia na vida das pessoas; Ele Está de Volta (2015), comédia política que imagina como seria a volta de Adolf Hitler aos dias atuais; e o drama indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro Toni Erdmann (2016), que conta a história de um homem bem humorado que tenta aproximar-se de sua filha carrancuda e viciada em trabalho.
Baseado em uma história real, De Encontro Com a Vida confirma e dá continuidade a essa boa fase do cinema da Alemanha com esta produção recente, que, embora seja de tons românticos e cômicos, ainda assim levanta vários assuntos e questionamentos importantes.
O primeiro, obviamente, é a questão de pessoas com algum tipo de deficiência. Desde o início podemos acompanhar Sali com seus recém-adquiridos problemas de visão, as dificuldades que os mesmos trazem e a superação deles usando de recursos criativos como por exemplo, a dica de estender a mão para uma entrevista de trabalho sem que alguém perceba o seu problema.
Um dos méritos de De Encontro Com a Vida é mostrar sem melodramas ou pieguices que, se uma deficiência física e/ou mental pode trazer transtornos, não significa que pode ser um impedimento para levar-se uma vida normal, sadia e produtiva, tal como é mostrado no filme Sentimentos Que Curam (2015).
De Encontro Com a Vida, também mostra uma questão que vem sendo abordada em muitos filmes europeus, em particular no cinema francês: a vida de imigrantes, refugiados e seus descendentes como no recente Uma Temporada na França (2017). Entretanto, como a premissa principal não é essa, o assunto é mostrado de modo bem menos incisivo, mas, ainda assim, podemos constatar a situação desses mesmos imigrantes e/ou refugiados desde aqueles que já estão perfeitamente estabelecidos na Alemanha como os que lutam contra as adversidades para permanecer no país, mesmo tendo qualificações para isso.
Assim como nos filmes franceses, este filme alemão tem em seu elenco atores e atrizes que são, justamente, imigrantes ou ascendentes destes e que, por isso, entendem bem essa situação. O próprio Kotja Ullmann é um deles (seu pai é da Alemanha e sua mãe da Índia). Uma cena interessante é aquela na qual Sali e Max vão a uma danceteria e, uma garota que gostou de Sali diz para a amiga que vai ficar com "o indiano" (embora o personagem seja descente de cingalês).
O cineasta Marc Rothemud tem um trabalho de direção muito bom no filme fazendo a história fluir bem, sem momentos de tédio, e tratando de modo leve, mas com seriedade, a deficiência visual, no que é ajudado pelo ótimo roteiro de Oliver Ziegenbald (Amizade) e Ruth Toma (3096 Dias de Cativeiro). Do tenso Uma Mulher contra Hitler (2005) ao suave De Encontro Com a Vida, Rothemud mostra a mesma excelência.
Mas o ponto forte de De Encontro Com a Vida é, sem dúvida, o seu elenco. Todos os intérpretes tem experiência internacional, o que já garante a qualidade de seu trabalho.
Apesar de jovem - 34 anos - Kotja Ullmann é um veterano nas telas grandes e pequenas, com quase 70 filmes em seu currículo e usa toda a sua experiência em sua atuação, que é muito competente, honesta e sincera, indo do dramático ao cômico e vice-versa com muita naturalidade.
Em pé de igualdade está Jacob Matschenz. Quem o viu como um fanático fascista em A Onda e o vê agora como o engraçado "galinha" em De Encontro Com a Vida fica agradavelmente surpreso com a mesma convicção com que atua em ambos os filmes.
Ana Maria Mühe é igualmente talentosa, dá para ver isso de cara, e também é simpática. Porém, em uma das poucas falhas do filme é o de terem limitado a sua personagem, Laura, a interesse romântico de Sali. Com o talento que tem, poderia ser melhor aproveitada.
Uma outra falha para mim foi com respeito ao motivo que o pai de Sali ficou tão aborrecido com o filho após o seu infortúnio. Não ficou muito clara a razão disso e tampouco o motivo que o fez divorciar-se de sua esposa de modo tão abrupto e repentino.
É claro que não podia faltar o antipático que ninguém suporta e quase estraga tudo para os heróis do filme. E Joham von Bulow não desaponta com o seu Kleinschmidt, daqueles personagens que dá vontade de esganar (embora se redima no final).
De Encontro Com a Vida é um filme leve, descontraído, divertido, despretensioso, romântico e muito inspirador, com uma mensagem extremamente positiva ao dizer que, apesar de obstáculos que parecem ser monumentais e até mesmo intransponíveis, vale a pena acreditar e ir atrás de seus sonhos e seguir as direções mostradas por seu coração. Quem for ao cinema não irá se arrepender e ainda irá querer rever esta maravilhosa comédia romântica da Alemanha.