Não trairás
por Bruno CarmeloDesde as primeiras imagens, Questão de Escolha funciona como uma fábula, ou parábola, de ensinamento moral. Como toda história do gênero, é preciso que os exemplos sejam muito claros, com noções definidas de certo e errado, de bom e de mau, coroadas por uma lição de vida na conclusão. Este é um cinema utilitarista, e por isso funciona tão bem no discurso religioso, do tipo que não pretende ser artístico, e sim pedagógico.
A trama é simples: Paul (Ted McGinley) é um empresário à beira da falência, prestes a renovar os seus votos de casamento. Surge a bela Júlia (Ana Ayora), uma morena vinda do Brasil, seduzindo-o a todo instante, até que o pobre homem se apaixone. Ao redor dele, tudo indica que a infidelidade é ruim: na igreja, o padre afirma que o mais importante é honrar o contrato do casamento, enquanto isso um casal de amigos se separa após uma traição. Não existe amor ou paixão entre Paul e a sua esposa, mas a única solução possível para este homem é permanecer no matrimônio. O divórcio é visto como algo tão pecaminoso quanto a própria traição - afinal, Paul sequer encosta na brasileira, mas o fato de ter “pensamentos impuros” já caracteriza o desvio de caráter.
Pode-se concordar ou não com essas ideias, mas o fato é que o diretor e ator David A.R. White se atém ao conteúdo da Bíblia: o homem precisa ser fiel a sua esposa; o lugar da mulher casada é no lar, cuidando dos filhos; não se pode ficar muito tempo longe da Igreja; não se pode deixar cair em tentação; a fé é melhor do que a razão (um psiquiatra, ao afirmar que “não existe certo e errado”, é filmado com uma luz vermelha demoníaca). O filme faz uma alegre mistura de doutrinas cristãs, passando por missas e cultos, começando numa igreja católica e terminando na igreja evangélica do missionário R. R. Soares. Louva-se Deus de maneira abstrata, sem citar especificidades que poderiam separar católicos de protestantes ou evangélicos.
A maior coerência deste discurso encontra-se em seu caráter ideológico. Não que isto seja uma exclusividade desta obra religiosa: o cinema industrial americano sempre apresentou filmes conservadores, mas Questão de Escolha se distingue por ser explicitamente bíblico e quase infantil na clareza de seu discurso. Ele lembra aqueles filmes infantis de antigamente, nos quais lobos eram maus, princesas eram boazinhas, e assim por diante. A estética segue a mesma simplicidade, com planos próximos no rosto dos atores, iluminação pragmática de cunho moral (luzes claras para personagens puros, escuras para pecadores) e aparência geral de telenovela, para dialogar com o gosto popular.
Enquanto prega a fidelidade, o filme defende a fusão entre o público e o privado, o profissional e o familiar. Um bom homem é necessariamente um bom pai e bom empresário, e o roteiro acha perfeitamente natural que um hacker cristão batize seu vírus com uma passagem da Bíblia, ou que Paul viaje ao Brasil para pedir desculpa a um grupo de empresários por ter traído (em pensamento) a sua esposa. Este é o mesmo tipo de raciocínio conversador que dominou os debates nos Estados Unidos, por exemplo, quando Bill Clinton foi considerado um mau presidente e quase perdeu o cargo por manter um relacionamento extraconjugal.
Pelo menos Questão de Escolha distancia-se do discurso de ódio pregado por tantos líderes religiosos atualmente. A história faz questão de apresentar tanto homens quanto mulheres infiéis (embora sugira que a infidelidade é predominantemente feminina), e no fim desculpa Paul e a sedutora Júlia pelos atos de provação. O mal existe, mas de maneira global, de modo que a culpa está menos nas pessoas do que nos atos - algo positivo diante do pensamento religioso extremista, que considera certas pessoas essencialmente pecaminosas. O discurso é profundamente tradicionalista, como poderia se esperar de um filme do tipo, mas também otimista e benevolente. É fraquíssimo como forma de cinema, previsível como pregação cristã, mas bem-sucedido em suas ambições didáticas.