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    Estrela Cadente
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Estrela Cadente

    As aventuras do rei sem poder

    por Bruno Carmelo

    Estrela Cadente é um filme estranhíssimo. Entre a sátira de filmes históricos e comédia de costumes, a história faz uma crônica kitsch do breve reinado de Amadeo de Saboya, italiano que se tornou rei da Espanha durante apenas dois anos, entre 1871 e 1873. Idealista, ele teria tentado modernizar a monarquia, mas a inexperiência política não permitiu um reinado muito longo.

    No filme, Amadeo é interpretado por Alex Brendemühl, ator que troca os habituais papéis violentos por uma composição dócil e um tanto ingênua do rei. Vegetariano, avesso ao luxo e aos encontros sexuais na corte, ele quer que todos acordem cedo (“Não dá para governar um país acordando ao meio-dia!”), que as desigualdades entre as pessoas diminuam que o sistema de transporte seja modernizado... Até receber uma resposta direta do clero e de seus assistentes: “Não temos dinheiro, ninguém gosta de você. Apenas assine os documentos”. A História raramente foi tratada com tamanho cinismo.

    Ironicamente, o humor de Estrela Cadente é auxiliado pelo baixo orçamento e pela produção visivelmente modesta. Filmes de época costumam apresentar centenas de figurantes e coadjuvantes, decorações suntuosas, efeitos de fotografia calculados para transmitir o sentimento da época. Ora, aqui não existem mais de dez personagens em toda a trama, nunca se vê o mundo fora do castelo, os cômodos do imóvel estão geralmente vazios, a iluminação digital cria uma curiosa sensação de contemporaneidade. A defasagem entre a representação e a realidade é assumida com prazer anárquico pelo diretor Luis Miñarro.

    Sucedem-se então cenas do assistente (Lorenzo Balducci) masturbando-se com as frutas que oferece ao rei, a cozinheira (Lola Dueñas) oferecendo serviços sexuais ao patrão, e depois ensinando-o a cortar legumes, o jovem cozinheiro (Alex Batllori) lambendo com volúpia os cristais da casa, a rainha Maria Victória (Bárbara Lennie) dançando alegremente após uma notícia triste. Todas as histórias de poder, luxúria e corrupção que se espera de um roteiro do gênero são subvertidas por esse olhar decadentista. Os pesadelos de Amadeo misturam-se à realidade: esse rei solitário não sabe governar, não conhece o mundo lá fora e entedia-se profundamente em sua casa. Saboya é retratado como uma espécie de Maria Antonieta em versão masculina e adulta.

    Enquanto isso, o elenco encontra um tom perfeito entre o drama inerente ao tema e o humor absurdo de cada cena. A história caminha muito perto do ridículo, mas todos conseguem manter as rédeas da obra dentro dos limites do estranhamento reflexivo, e não apenas debochado. Talvez nem todos os elementos cômicos de Estrela Cadente funcionem igualmente bem (principalmente após a chegada da rainha), mas o diretor tem o mérito de fornecer uma releitura extremamente ácida do passado espanhol, sem recuar diante de cenas de possível mau gosto ou falta de sentido. Tecnicamente competente e profundamente criativo, o filme trabalha no território simbólico, fazendo da História uma interpretação muito subjetiva dos fatos.

    Filme visto no 25º Cine Ceará, festival Ibero-americano de Cinema, em junho de 2015.

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