Colossal é um daqueles filmes digamos... diferentes e que não agrada a todos. Mas, a experiência de assisti-lo é mais rica quando se sabe o quanto menos sobre o mesmo. Nesta resenha não há spoilers específicos, mas ainda assim é recomendável não ler antes de ver o filme.
Nacho Vigalondo é o diretor-roteirista espanhol responsável por produções independentes como Crimes Temporais, que tem lugar cativo no concorridíssimo panteão dos filmes de viagem no tempo, e Extraterrestre, filme de 2011 que traz uma nova e intimista abordagem sobre invasão alienígena. Talvez por restrições orçamentárias, mas com extremo benefício para suas escolhas narrativas, estes temas grandiosos foram retratados com um escopo mais contido. Já com Colossal, seu segundo longa em língua inglesa, o cineasta mantém a tradição de dar uma nova roupagem a um gênero maior, podendo se aventurar mais com o aumento do escopo, mas sem perder o toque dramático e a meticulosidade no desenvolvimento dos personagens.
Anne Hathaway exercita seu talento ao viver Gloria, uma mulher com uma sucessão de fracassos e problemas, que precisa voltar para sua cidadezinha natal. Lá ela descobre um “poder”: ao entrar num local determinado em um horário específico, sua presença faz surgir um monstro gigantesco em Seul, Coréia do Sul, que repete seus movimentos em tempo real, naturalmente com consequências catastróficas.
Assim como a corrida nuclear, a ameaça química, a tensão comunista, os questionamentos éticos no avanço da genética e a degradação ambiental foram responsáveis (ou as metáforas) para a criação dos monstros cinematográficos em variadas épocas, aqui Vigalondo usa fantasmas bem atuais para a criação de seu(s) monstro(s): o ser humano e suas atitudes individualistas, a inveja, o bullying, a falta de empatia ou até mesmo a total indiferença para com o outro. O próprio ser humano é o responsável pela criação de um monstro em si ou no seu próximo. O ser humano intoxica seu próprio corpo, prejudica sua própria mente e contamina os que estão ao seu redor, sem se importar, sem se preocupar e, muitas vezes, sem sequer notar.
Outra nuance de destaque é como que Colossal também é uma grande manifestação, na sua forma peculiar, de outra temática em voga: o empoderamento feminino. Gloria é uma protagonista alcoólatra e cheia de falhas. Não é, portanto, um exemplo a se seguir, muito menos uma heroína. É possível que seja produto do meio, mas o roteiro se concentra em indicar, diretamente ou com sutilezas, como que todos os personagens masculinos principais à sua volta são tóxicos e prejudiciais à ela. O namorado falha miseravelmente em dar o apoio necessário e correto para a situação, o jovem com quem tem um caso nunca se prontifica a defendê-la, mesmo tendo plenas condições físicas para tal, e o amigo de infância, Oscar, bom... além do óbvio, seria um perfeito estudo de caso para professores de psicologia usarem em suas aulas sobre pessoas dominadoras e relacionamentos abusivos.
Com boas sacadas que acabam bem amarradas ao longo da projeção e deixam o espectador sempre às cegas com os rumos que a história vai tomar, Colossal funciona bem também como filme de gênero (e muito pouco como comédia, embora boa parte do material de marketing insista nisso). Não que esteja isenta de furos - há pontos básicos para implicar, como o fato de não parecer nada plausível que as autoridades sul-coreanas não evacuem e isolem a área da cidade em que o monstro sempre aparece. Mas, a preocupação do longa nunca foi mesmo com o desenvolvimento da mitologia, nem com a explicação da ‘lógica’ criada.
Colossal é um filme de monstro às avessas. Menos foco na destruição, mais espaço pros dramas pessoais. Mais implícito na ação, mais explícito nas metáforas.
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