Pequena monstruosidade
por Bruno CarmeloUm monstro gigantesco destruindo uma cidade. Pessoas correndo, prédios sendo esmagados, helicópteros atirando na fera. Colossal contém um pouco de todos esses elementos, no entanto a comédia indie constitui um raro projeto no qual o monstro é coadjuvante na história. O espetáculo de efeitos especiais fica em segundo plano, ocupando pouco tempo da narrativa. O olhar do diretor se concentra em algo muito mais banal: a vida de Gloria (Anne Hathaway), típica “loser” americana, sem emprego, distante da família, abandonada pelo namorado e cada vez mais dependente do álcool.
É curiosa a maneira como o diretor Nacho Vigalondo articula o grandioso e o minúsculo, no caso, a catástrofe pública e o drama privado. Talvez o aspecto mais cômico seja a própria ideia de manter a câmera dentro de uma casa vazia, junto à mulher que dorme o tempo inteiro, ao invés de ir para as ruas onde existe um monstro em atividade. Na época em que a fantasia e a ficção científica se tornam os gêneros de maior apelo popular no cinema, privilegiar uma história banal soa como provocação à indústria.
Enquanto os sul-coreanos lutam contra o invasor nas ruas de Seul – nem tanto, aliás, pois voltam para os espaços abertos dia após dia, mesmo com ataques frequentes – Gloria, em seu vilarejo norte-americano, ganha um retrato com direito a todos os clichês da comédia romântica. Apesar de se mostrar incapaz de oferecer afeto a quem quer que seja, a personagem desorientada torna-se pivô da disputa entre três galãs (Dan Stevens, Jason Sudeikis e Austin Stowell) enquanto o roteiro aborda de maneira superficial o abuso de substâncias (o álcool para Gloria, a cocaína para Garth).
Ou seja, por trás da inusitada combinação de gêneros existe um projeto um tanto convencional. O roteiro ameaça discutir questões moralmente complexas como a monstruosidade inerente a qualquer ser humano, o descaso das multidões diante de tragédias distantes e a sede da mídia pelas catástrofes, mas logo desvia a atenção para os gestos divertidos de Anne Hathaway. Estamos no imperativo da leveza: quando algo potencialmente provocador entra em cena, a montagem corta para o dia seguinte, com a protagonista descabelada dormindo num colchão inflável furado.
Colossal garante a cota de diversão com tiradas sarcásticas e reviravoltas inesperadas, surpreendendo na conclusão ao convergir a trama do monstro com o passado de Gloria. Vigalondo consegue fornecer respostas verossímeis à premissa de uma pessoa controlando telepaticamente um réptil gigante do outro lado do globo. Ao mesmo tempo, não explica mais do que o necessário, deixando que as regras da fantasia se encarreguem de justificar algumas concessões à lógica. No entanto, as qualidades estruturais não impedem que os personagens soem subaproveitados, unidimensionais, em especial as figuras masculinas na galeria de coadjuvantes.
O projeto se conclui como uma traquinagem de roteirista, uma paródia amistosa dos blockbusters. O roteiro poderia discutir a natureza humana e se deliciar com a imersão do espectador, mas prefere se dedicar a um improvável retrato sobre relacionamentos abusivos e emancipação feminina. É uma surpresa, às vezes bem-vinda, mas levemente decepcionante por abandonar outros temas interessantes que a narrativa oferecia com maior facilidade.