Desconfie até da sua mãe
por Renato HermsdorffQuando você pensa que o governo norte-americano, na figura da CIA, vai se redimir... Quando duvida da psicologia barata (pelo menos, em tese) que rege o emocional do protagonista... Quando o filme te leva a acreditar que a mocinha da vez é naïf, que só... Bem, você entende que não é bem assim. Afinal, é de Jason Bourne que estamos falando.
Estruturado como 11 entre 10 filmes do gênero de ação – baseado na santíssima trindade do tiro-porrada-e-bomba –, a franquia Bourne é muito mais do que um título para a Globo exibir na faixa do “Domingo Maior”. Nesse sentido, conta contra o novo filme, Jason Bourne, o nível de excelência que os longas anteriores estabeleceram. Não que a nova obra esteja aquém – muito pelo contrário –, mas pouco acrescenta em termos de originalidade.
Por outro lado, oh my god it is é Jason Bourne, o que, trocando em miúdos – e depois do tropeço de 2012 –, significa dizer que as boas sequências de ação (atenção para o furgão da SWAT catapultando carros pelas ruas de Las Vegas), a contextualização da história, a adição de um personagem de peso e, claro, uma boa dose de teoria conspiratória são elementos que estão todos lá.
Desta vez, quase dez anos depois de O Ultimato Bourne (2007), Matt Damon volta ao papel, num filme da cinessérie comandado por Paul Greengrass (que dirigiu o mesmo Ultimato e A Supremacia, de 2004). Desta vez, ele se lembra de “tudo” – e a apresentação do filme recupera imagens dos longas anteriores que servem à compreensão dos desavisados de plantão.
Longe da CIA, ele leva uma vida reclusa na Grécia, até que é encontrado pela ex-companheira Nicky Parsons (Julia Stiles), que o oferece informações sobre o passado dele. Intrigado com a morte do pai, Jason acaba batendo de frente com a agência que, por sua vez, precisa conter o vazamento de um acordo feito com um geniozinho da internet (Aaron Kalloor, personagem do ótimo Riz Ahmed).
Aqui, o longa atualiza o arco maior do universo da franquia, com um pano de fundo que transita entre os protestos noticiados recentemente na Grécia (em uma sequência de ação de, com o perdão do clichê, tirar o fôlego) e a pertinente discussão a respeito da privacidade, incitada pelo advento das redes sociais.
Enquanto o ex-chefe de Bourne, Robert Dewey (Tommy Lee Jones) acredita que a melhor solução é eliminar o ex-agente, a novata Heather Lee (Alicia Vikander) pensa que recrutar Bourne de volta talvez seja a saída mais inteligente.
O roteiro, escrito pelo próprio Greengrass, repetindo a parceria dos filmes anteriores com Christopher Rouse, contempla, assim, o passado do personagem (não só nas figuras de Stiles e Lee Jones, como recupera o desafeto ex-agente Asset, vivido por Vincent Cassel), ao mesmo tempo em que vislumbra o futuro da série. E, aqui, precisamos falar sobre Heather Lee.
Quem é Heather Lee? Se você souber responder a essa pergunta ao final das duas horas de filme, talvez seja melhor revê-lo. Conhecida não só pelo talento, mas também pela beleza, Vikander é caracterizada da forma mais neutra possível. O tom de cinza do uniforme, o cabelo constantemente preso e atuação contida contribuem para que ela seja uma página em branco. Alguém que, no futuro, pode representar tanto uma importante aliada do herói, quanto o embrião de uma vilã marcante. Ela é o que o filme traz de mais relevante para o universo da franquia. Heather Lee é a síntese da riqueza do roteiro, que, recheado de reviravoltas, ora te joga para um lado, ora te imprensa no outro.
No mais, oh my god it is é Jason Bourne de volta à boa forma!