Adeus programado
por Lucas SalgadoConhecido por obras como A Casa dos Espíritos e Trem Noturno para Lisboa, o dinamarquês Bille August realiza agora um de seus trabalhos mais marcantes no que diz respeito a construção de personagens e força narrativa.
Coração Mudo conta a história de senhora que descobre ser portadora de esclerose múltipla. O marido, que é médico, a informa que sua situação irá piorar muito e rapidamente, e que em pouco tempo ela não terá controle dos movimentos e que no fim precisará de ajuda para se alimentar e até respirar. Juntos, e com o apoio das filhas, eles decidem realizar um suicídio assistido.
O longa se passa justamente no final de semana em que ela irá se matar. Antes de tomar a atitude final, ela quer passar os últimos dias com a família. Assim, temos suas filhas, com os parceiros e um neto, e sua melhor amiga chegando em uma casa de campo para se despedir dela.
A trama lembra um pouco Álbum de Família, embora ali a família se reúne após um falecimento. Outra diferença significativa entre as produções está no tom. Em Coração Mudo não há espaço para melodrama, tudo é muito contido, mas não menos emocionante. De certa forma, não deixam de refletir a diferença entre o frio cinema dinamarquês e o exagerado universo hollywoodiano.
Ghita Norby interpreta de forma incrível Esther, a senhora determinada a se matar. A atriz conta com a companhia de um elenco fora de série, com destaque para Paprika Steen e Danica Curcic, que vivem as filhas. A primeira é centrada e entende a decisão da mãe, enquanto que a segunda é mais emotiva, sonhando em mais alguns meses ao lado dela. Morten Grunwald, Jens Albinus, Pilou Asbæk e Vigga Bro completam o elenco, que traz ainda o jovem Oskar Saelan Halskov, que vive o neto. O garoto entrega uma atuação delicada e protagoniza algumas cenas bem sensíveis, principalmente quando tenta explicar para a avó o que é o Facebook.
A trilha sonora, também discreta, é um dos destaques da produção ao lado da fotografia de Dirk Brüel. Foi muito acertada decisão por tomadas fechadas, que valorizam as emoções nos rostos dos personagens, bem como movimentos simples, como a mão numa cadeira ou um carinho de conforto.
Repleto de conflitos, o filme não se entrega ao choro fácil e tampouco se alonga demais. São apenas 96 minutos de duração, o que torna o drama mais eficiente e não prejudica o ritmo.
Filme assistido durante a cobertura do Festival do Rio, em setembro de 2014.