Todo mundo é dois
por Lucas SalgadoRio de Janeiro vs São Paulo. A disputa entre as duas maiores cidades do Brasil é algo alimentado por moradores de cada uma delas. Alguns perdem a linha, mas é possível levar o conflito na esportiva, com alfinetadas de lado a lado. No AdoroCinema, temos um editor paulista que fala bolacha. E tem outros editores, redatores e estagiários cariocas e de outras partes do país, que sabem que o correto é falam biscoito. Desculpe o Transtorno trata desta disputa. Mas felizmente, o filme não foca em defeitos de cada cidade para mostrar as diferenças de uma para a outra.
Não é o Rio violento contra o trânsito de Sampa. O longa procura mostrar elementos que os moradores das duas cidades valorizam, com o RJ como um espaço mais relaxado e colorido, e SP como um local moderno e trabalhador.
Na trama, Eduardo (Gregório Duvivier) é um jovem que leva uma vida certinha em São Paulo. Ele acorda cedo, faz exercício, se arruma e sai para trabalhar no escritório de patentes do pai. À noite, vai jantar com a namorada (Dani Calabresa). Ele segue uma rotina específica e encontra pouco espaço para encontrar com os amigos.
Determinado dia, recebe a notícia de que sua mãe faleceu. Ele, então, é obrigado a voltar para o Rio, para lidar com a perda. Ele mantinha pouco contato com a cidade em que passou a infância e acaba se deparando com o apartamento com várias recordações. De uma hora para outra, Eduardo se transforma em Duca, um carioca convicto que quer aproveitar a vida. Duca acaba conhecendo e se encantando por Bárbara (Clarice Falcão), que o ajudará a lidar com o transtorno.
A ideia não é propriamente original, mas a pegada da produção sim, focando bastante no drama e melancolia que acompanham muitas sequências de humor. Assim, temos uma comédia com momentos tristes, o que é muito rico. O transtorno de Eduardo é apresentado como algo engraçado, mas que aos poucos vai ficando problemático. Lembra um pouco o trabalho de Fábio Porchat em Entre Abelhas.
Duvivier está bem, conseguindo criar dois personagens em um só. Clarice também não decepciona. Ela não faz penas o par romântico, oferecendo uma atuação com bons momentos dramáticos. Neste sentido, a atriz é ajudada pelo roteiro e pelo figurino do longa, que a obrigaram a vestir uma fantasia enorme de coelho rosa. É bizarro, engraçado e estranhamente triste.
A decepção do elenco acaba sendo Calabresa, mais por culpa da personagem unidimensional do que por causa de sua atuação. Marcos Caruso, Zezé Polessa e Rafael Infante completam o time. Destaque para o último, que vive um amigo de Eduardo/Duca. Infante e Duvivier possuem cenas ótimas lado a lado, com destaque para o momento em que usam Mulheres de areia para explicar a situação de Duca, com direito a uma fala como "eu sou toda Ruth".
É uma obra com problemas e limitações, mas que consegue divertir e emocionar, além de oferecer uma história bonitinha. O filme defende que todo mundo é dois. E isso vale para ele próprio. É previsível? Sim. Tem clichês? Sim. Mas funciona? Sim, também!