Três perdidos numa noite suja
por Bruno CarmeloEste filme uruguaio parte da premissa básica do drama indie: a união entre figuras solitárias que criam uma amizade improvável e se tornam mais fortes. Os anônimos, no caso, são três: um turista alemão (Félix Marchand) em busca da esposa que o abandonou, um homem (Lucio Hernandez) cuja esposa acaba de pedir o divórcio e outro (Pedro Dalton) viciado em drogas. Os três anônimos têm o coração partido, e não podem contar com família nem amigos.
A interação entre eles poderia render bons momentos de humanismo, mas o primeiro problema deste projeto são os personagens mal construídos. Os três são definidos por estes únicos problemas, apresentados pelo diretor Arauco Hernández numa cena sucinta. Um homem quebra furiosamente um telefone dizendo “Você quer o divórcio?” e ele imediatamente se torna “o homem do divórcio”, com mais nenhum traço de personalidade desenvolvido até o fim da trama. O trio se limita aos olhares tristes, roupas sujas e cabelos oleosos. Em alguns casos, eles beiram a figura do selvagem, emitindo grunhidos dentro de cômodos imundos, escuros e vazios.
Além a questão dos personagens, as escolhas estéticas de Os Inimigos da Dor são curiosas. A fotografia escuríssima transforma até os dias de Montevidéu numa espécie de pesadelo eterno. A trilha sonora, inspirada em ficções científicas, sugere um elemento fantástico e high-tech que está longe de aparecer em cena. A direção de arte faz a escolha questionável de associar tristeza a pobreza – os homens abandonados são caricaturas da mendicância. Alguns enquadramentos sugerem um suspense (a tentativa de roubo), outros são dignos das comédias independentes (o alemão escondido vendo as dançarinas). Nada se completa, cada membro da equipe técnica parece estar trabalhando num filme diferente.
Consequentemente, os elementos parecem jogados a esmo: entra em cena um garoto, ninguém sabe de onde, depois aparece outra mulher nos corredores sujos, mas não se compreende sua importância; insere-se uma discussão rápida e superficial sobre pedofilia, em outro momento o alemão finalmente encontra sua esposa – de maneira totalmente inverossímil – mas decide não falar com ela. O roteiro é tão cheio de gestos inexplicáveis que o espectador acaba expulso por esta lógica hermética. Sem entender quem são essas pessoas e porque fazem o que fazem, é difícil torcer pelo trio central. Os conflitos desfilam apaticamente pela tela.
É uma pena que os problemas atrapalhem tanto a projeção, porque seria interessante assistir a uma produção que retira dos homens seu heroísmo, seu ideal de virilidade, além de desconstruir o olhar turístico das cidades. Mas Os Inimigos da Dor se perde em suas intenções e escolhas. Existem muitos filmes diferentes misturados no mesmo projeto, que mereceriam ser isolados e desenvolvidos com calma e reflexão.