A lógica do sensacionalismo
por Bruno Carmelo“Fátima abandona Bonner e vai fazer programa”. “Luana não tem mais Dado em casa”. “Michael Jackson nasceu negro, ficou branco e vai virar cinza”. “Clodovil virou purpurina”. Estas são algumas das manchetes do Meia Hora, tabloide carioca conhecido pelo aspecto bem-humorado e inconsequente de retratar a violência, o sexo e o futebol. O diretor Ângelo Defanti investiga como surgiu este veículo, de que maneira criou sua linha editorial e qual seria a responsabilidade (moral, ética) de um conteúdo do gênero.
Assim como o próprio jornal, a primeira metade do documentário é leve e engraçadíssima. Desfilam em tela manchetes de duplo sentido como os exemplos listados acima, ilustrados com fotografias escrachadas. Durante a projeção do filme aos críticos de cinema, as gargalhadas dentro da sala de cinema eram altíssimas. Enquanto isso, os diretores, redatores-chefe e donos do Meia Hora explicam como surgiram os conceitos de cada manchete, atribuindo a responsabilidade pelo sucesso a si mesmos. Para driblar as limitações dos talking heads (“cabeças falantes”, que dominam o filme), o diretor busca intervenções gráficas criativas e uma montagem ágil, com vários enquadramentos durante uma mesma entrevista.
Apesar de divertido, o início do filme adota uma postura questionável. Defanti conversa apenas com os chefões do Meia Hora, sem visitar a redação, sem conversar com outros participantes da revista ou mesmo pessoas quaisquer nas ruas. Tem-se a “versão oficial”, dos patrões e empresários. O povo está ironicamente ausente de uma produção que questiona as configurações contemporâneas da cultura popular. Não é de se espantar que o editor-chefe diga “eu tive a ideia”, e que a diretora complete com “fui eu que inventei...”. Defanti comete o equívoco de muitos historiadores: escutar apenas a voz dos vencedores. Algumas conversas com o Extra, O Dia e o Expresso (este último, citado muito discretamente) fariam bem a este painel.
Na segunda metade, o humor desaparece um pouco, mas o conteúdo se torna mais complexo, e o diretor finalmente confronta os seus entrevistados, seja com perguntas perturbadoras, seja com jogos de montagem. Diferentes pessoas assumem responsabilidade pela invenção do tabloide, e uma edição simples e eficaz ajuda a perceber a batalha de egos na redação e na diretoria. Os entrevistados respondem a perguntas éticas sobre a maneira como retratam bandidos (vistos como “vagabundos”) ou policiais (retratados como justiceiros). Vale tudo em nome do espetáculo? As pessoas se defendem, dizendo que não é a intenção estigmatizar quem quer que seja, ou então que esta seria a lógica natural do capitalismo, simples assim.
Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete atinge seu ápice quando ouve pessoas externas à revista – duas apenas, descontando a participação de Valesca Popozuda – a respeito do conteúdo do jornal. Os professores Muniz Sodré, da UFRJ, e Sylvia Debossan Moretzsohn, da UFF, levantam dúvidas sobre a moral do jornalismo sensacionalista, e sobre a conivência dos redatores com a violência que supostamente condenam. Esta é uma discussão realmente importante e profunda, embora surja tarde demais no documentário, e limitando-se a dois especialistas. Mesmo com limitações de metodologia, Defanti realiza um estudo interessante sobre o estado da mídia em tempos de capitalismo excludente e extremista.