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    Another Day of Life
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Another Day of Life

    Psicologia animada

    por Sarah Lyra

    Dirigido por Raul de la Fuente e Damian Nenow, Another Day of Life faz um recorte de três meses da Guerra Civil Angolana, enquanto acompanha a cobertura do repórter de guerra polonês Ryszard Kapuscinski (voz de Miroslaw Haniszewski), em 1975, personagem central da trama. Determinado a chegar à linha de frente do conflito armado entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), o jornalista embarca em uma jornada marcada por morte e dor. Com uma temática densa, a animação aposta em um visual sombrio e não tem medo de ousar no uso de recursos para retratar os efeitos psicológicos de alguns dos personagens envolvidos em uma das batalhas mais violentas que o mundo já viu.

    Torturado pelas memórias das cenas testemunhadas, Kapuscinski frequentemente revisita os cenários da guerra por meio de sonhos que fragmentam os objetos, lugares e pessoas antes intactos, quase como em um arrebatamento. As imagens são poderosas e ilustram bem o impacto da guerra no protagonista, que, mesmo confiante na importância do seu trabalho de documentação e reportagem, luta contra o sentimento constante de impotência. Embora eficaz, o efeito é utilizado sem muito critério e eventualmente acaba se tornando banal. Por isso, quando é mais uma vez acionado, durante a morte de uma importante liderança dentro de um dos movimentos, acaba não tendo o efeito emocional pretendido, por mais bem executado que seja tecnicamente.

    Empregando diversos elementos abstratos e metafóricos, Another Day of Life tinha tudo para ficar preso a uma confusão visual, principalmente quando dá início a uma série de entrevistas com as pessoas que viveram naquele contexto e passa a transitar entre documentário e ficção, figuras reais e desenho. No entanto, os diretores demonstram um domínio surpreendente da estética apresentada. Talvez por conta disso, o ponto que mais sofre acaba sendo o roteiro, já que as entrevistas, embora bem conduzidas, muitas vezes soam redundantes, repetindo apenas o que é mostrado em tela pela parte animada do filme.

    Há também a questão de que as experiências prévias de Kapuscinski com a guerra não são aprofundadas, o que se mostra uma perda especialmente por conta dos momentos em que o conhecemos um pouco melhor e recebemos pistas da vida interessante que ele teve até chegar na Angola. É muito revelador ouvi-lo contar sobre sua infância durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente por ter crescido na Polônia, um dos países mais devastados pelo conflito, além da poderosa cena em que diz que uma vez que se vive a guerra, não é possível se livrar dela. É ali que fica realmente claro o motivo dele estar ali. Não pela adrenalina ou ambição de um furo jornalístico, mas porque nunca conheceu uma realidade diferente. Ao mesmo tempo em que é atormentado pela violência, não sabe viver sem ela. Uma ambiguidade que certamente merecia mais tempo de tela.

    Outro tema desperdiçado pelo longa é o papel do jornalista durante uma cobertura de guerra. De la Fuente e Nenow até flertam com a possibilidade de um debate ao inserirem o questionamento de um estudante de jornalismo sobre a questão, mas o momento é rapidamente superado e não gera reflexão, parecendo mais uma pincelada para dar impacto ao desfecho da trama do que uma proposta séria de repercutir o assunto. É essa mesma discussão que faz falta quando Kapuscinski precisa tomar uma importante decisão que pode alterar os rumos da guerra, tentando rever seus ideais sobre a profissão que escolheu. Na falta da devida contextualização, porém, aquele que seria o ápice do filme, passa despercebido com uma resolução tímida.

    Filme visto no 27º Anima Mundi, em julho de 2019.

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