Viúva Negra parece um filme tão comprometido com a premissa de passar uma mensagem que esquece até de desenvolver qualquer aspecto cinematográfico próprio, seja dramático ou até mesmo estético. Pode-se perceber diversas tentativas de abordagens que buscam focalizar a narrativa dentro de uma ideia de sororidade, mas nenhuma recebe a devida atenção por parte da diretora Cate Shortland.
Primeiramente, aquilo que é mais evidente e toma boa parte do tempo do filme: a dramaturgia dos personagens não convence. Por alguns breves momentos, até ensaia uma abordagem mais intimista, aproveitando-se assim da presença feminina de Shortland na direção. Algumas cenas, como as de Natasha no trailer ou das irmãs viajando de carro ressaltam uma preocupação em naturalizar a vida daquelas mulheres como algo que possui significados fora da superfície de super-heroínas. Infelizmente essa ideia torna-se muito breve e o filme se perde no genérico que costuma prejudicar algumas produções do MCU.
Outra exploração interessante, porém mal aproveitada, jaz no choque entre as realidades de Natasha e sua irmã, com a personagem de Florence Pugh representando alguém envolvida numa lógica estranha à de super-heróis do ocidente. É uma pena que o filme se aproveite disso somente para pesar a mão numa repetição exaustiva das mesmas piadas. Na verdade, todo o núcleo familiar é mal desenvolvido por problemas similares. As cenas que se dedicam à relação daquela suposta família não conseguem sensibilizar, muito menos relativizar isso de modo mais frontal através do cômico. O filme acaba transitando entre essas tentativas de ser sensível e profundo quando a trama pede um respiro dramático, e preencher todo o resto com alívios cômicos que mantenham vivo o dinamismo do jeito Marvel de fazer ação. Como nada é bem articulado, fica muito evidente qualquer incursão nesse sentido, soando formulaico ao extremo.
No fim, o único aspecto que fica realmente claro é a preocupação do filme em desenvolver uma ideia de sororidade. Evidentemente, o grande problema não está na temática em si, mas nos meios para se atingir isso. Na verdade, e isso mereceria um texto somente dedicado ao assunto, a grande dificuldade do MCU nos últimos anos parece estar em casar, de modo orgânico, o desenvolvimento de temáticas contemporâneas de interesse do seu público com o meio cinematográfico. Aqui em Viúva Negra, ao centralizar toda a narrativa num inimigo único, e configurar todo o resto como meras vítimas de uma manipulação, o filme torna-se um vazio, um mero joguete genérico de sensibilização coletiva.
É curioso como o próprio filme parece autoconsciente de suas dificuldades no ato final. Toda a cena de Natasha com Dreykov carrega uma atmosfera de desimportância. Isso parte já na atitude de superioridade da personagem de Johansson como alguém que já enfrentou inimigos maiores. Ao invés de potencializar a força dessa personagem, isso acaba diminuindo a importância do que se desdobra no filme. Tudo acaba se resolvendo numa cena com diálogos espertinhos em que cada um tenta se revelar à frente do outro nos seus planos. A ação em si, o conflito franco, torna-se expediente quando a cada momento o filme precisa reforçar que o grande inimigo é somente um.
Nessa dificuldade de cativar, o filme lança mão de recursos genéricos para tentar chegar em algum lugar. No que parece uma tentativa de criar algum twist narrativo, o uso dos flashbacks aqui é uma das coisas mais desleixadas já feitas em algum filme do MCU. Além de oportunista, ao provocar viradas que só contribuem para esvaziar ainda mais a importância do que se passa em tela, o recurso parece até novelesco (no mau sentido) quando utiliza efeitos sonoros para indicar que houve uma transição. Mais gritante do que isso ainda é essa necessidade de maximizar tudo o que está em jogo. Já que a progressão da narrativa em si não consegue criar a tensão necessária, é preciso uma cena que ilustre genericamente toda a ameaça que Dreykov simboliza, expandindo isso numa sequência de imagens projetadas numa tela que demonstra o alcance mundial de suas ações e que parece uma cópia de dezenas de outros filmes do gênero.
Se nas relações entre personagens o filme é incipiente, e na progressão de sua trama é genérico, nem mesmo na estética da ação Viúva Negra consegue algo que o torne notável. Assim como em outros filmes da franquia, a decupagem trabalha na deslocalização do espectador nas cenas de luta e se aproveita muito pouco dos cenários e do formato anamórfico da imagem. A cena da fuga da prisão em meio a avalanche até apresenta alguns momentos interessantes, mas é tão breve que soa subaproveitada. A própria caracterização dos cenários e figurinos é estéril quando o filme não se aproveita desse universo novo de leste europeu para fazer algo que o torne diferente daquele já explorado em tantas outras produções. Nesse sentido, Pantera Negra ganha pontos por ao menos tentar fugir um pouco desse visual óbvio.
Chama atenção como o filme vai piorando em todos os aspectos no seu decorrer. Em termos de trama e dramaturgia, tudo vai ficando mais ilustrativo, enquanto a estética da ação torna-se mais descartável. Esse recurso de fragmentar a ação em diferentes núcleos de personagens não funciona quando nenhuma dessas vias toma frente. Tanto a montagem quanto a trama em si não desenvolvem preocupação alguma nesse sentido. O ato final é um passar de tempo no meio do nada, uma resolução que desde cedo deixa clara sua mensagem, mas que não envolve em nada além disso.
Por fim, fica a pergunta: Qual a necessidade desse spin-off? Ao que parece, nem mesmo o próprio filme consegue responder. Por falhar em desenvolver qualquer identidade própria, em termos dramáticos ou estéticos, Viúva Negra parece perdido no meio de tantos outros filmes do MCU.