Um musical
por Taiani MendesEssa é a história de um rapaz de bom coração com um trauma, um trabalho incomum, um nome ridículo e fones nos ouvidos o tempo todo. Baby, B-A-B-Y (Ansel Elgort), aparece pela primeira vez em cena depois da roda do Subaru WRX e do iPod. O trio, alma do filme de Edgar Wright, é infalível quando reunido e deixa a narrativa enfraquecida ao se separar. Em Ritmo de Fuga, Baby Driver no original, ironicamente tem problemas de ritmo.
O início é impressionante. Ao som de "Bellbottoms", do The Jon Spencer Blues Explosion, Baby cumpre com maestria – e no embalo exato da canção – seu papel no assalto a banco: aguardar, observar, acelerar e despistar. A corrida pelas ruas de Atlanta, filmada de maneira vertiginosa, é de tirar o fôlego e joga a adrenalina do espectador lá no alto, sensação que é mantida pelo plano-sequência que ganha a tela após os créditos, apresentando com muito charme o misterioso protagonista com cara e apelido de criança. Sua improvisada dança urbana, solitária e sorridente, faz lembrar a leveza dos números menos elaborados de La La Land – Cantando Estações e Cantando na Chuva num dia de sol. Com fones. Tentando abafar o tinido que o atormenta, o jovem motorista parece sempre isolado da sociedade, imerso em suas infinitas playlists.
Ele, que cria canções a partir de conversas gravadas, atua como uma espécie de diretor dentro da trama, ritmando os acontecimentos pela trilha sonora que seleciona. O verdadeiro comandante, Wright, adota essa estratégia em nível ainda maior, sincronizando até mesmo pequenos gestos dos personagens com batidas musicais. No entanto, conforme Baby vai se afastando do crime (e dos fones) e se aproximando do amor, personificado pela adorável garçonete Debora (Lily James), a dobradinha encantadora vai perdendo espaço, um dos sintomas do mal que fragiliza o meio do filme. O romance fofo que libera a fala e infla os sonhos de Baby rende belos momentos de dança da sedução (promovida pela câmera mesmo quando eles estão parados), porém cresce a partir da morte da ação, que é justamente o que a história original de Edgar tem de melhor. Quando honra seu nome nas sequências de perseguição, o longa é realmente notável, porém é difícil evitar a decepção quando as cenas do tipo são resumidas a três. É cansativa a espera por mais trechos como o primeiro. O miolo expõe a falta de criatividade do roteiro e deixa óbvio que sem o uso especial das músicas, Em Ritmo de Fuga perderia 80% da graça.
É a velha história contada e recontada do traumatizado bandido de bom coração que quer largar a vida errada e começar de novo ao lado do recém-descoberto amor, mas é impedido pelo chefe e precisa lutar, sofrer, pagar e provar que é realmente digno de uma segunda chance. Aqui a bandidagem não tem glamour nem é capaz de furar o bloqueio dos óculos escuros de Baby, que é contra mortes, não anda armado, não gosta de ver os assaltos, apenas se importa com pessoas “do bem” - como a garçonete e a funcionária dos Correios - e encontra genuína felicidade entregando pizza, um trabalho honesto. Esse Edgar Wright domado, quase sem violência e a serviço da lição de moral, pouco lembra aquele que não economizou no sangue e nas balas na cultuada Trilogia Cornetto. O tempo das bizarrices passou.
Alçado ao posto de crush universal por A Culpa é das Estrelas, Ansel Elgort esbanja carisma como o piloto de fuga que acumula tantos óculos escuros e iPods quanto truques ao volante. O elenco de coadjuvantes é extenso, com Jon Hamm, Eiza González, Kevin Spacey, Lily James, Sky Ferreira, Jon Bernthal (em participação pequena, porém fundamental para o desenvolvimento do protagonista) e Jamie Foxx. O vencedor do Oscar por Ray é quem faz a melhor limonada com o limão de profundidade que cada personagem ao redor de Baby tem, deitando e rolando na inconsequência que beira a insanidade de Bats.
Após muita expectativa, a correria volta com força total na reta final, carregada do melhor humor que o filme oferece – o uso irônico de Barry White é impagável. Wright, no entanto, volta a cansar o público por não saber a hora de terminar a história e insistir em inúmeros finais tão falsos quanto a promessa de ação do início ao fim. Em Ritmo de Fuga atinge a excelência quando embarca totalmente no modo carrinho bate-bate musical, mas tais momentos intensos infelizmente não são abundantes. Pneus poderiam cantar mais.