Estados Unidos pela tragédia
por Bruno CarmeloExistem vertentes do cinema - e de algumas religiões, e mesmo da psicologia - que acreditam na tragédia como meio de expurgar erros, oferecer provações e tornar a pessoa melhor do que antes. “Deus não dá um fardo maior do que você pode carregar”, dizem as religiões cristãs, “Há males que vêm para bem”, repete a sabedoria popular, “Encontre a força dentro de si mesmo”, insistem os manuais de autoajuda. Este é o universo no qual se insere a representação fictícia Jeff Bauman no filme O Que Te Faz Mais Forte. Após perder ambas as pernas nos atentados da maratona de Boston, Jeff escuta da família e da nação que esta é a melhor coisa que poderia ter lhe acontecido. Afinal, agora ele é um herói.
O melhor aspecto do filme é o retrato potente de um país cuja identidade é forjada por catarses coletivas. Este patriotismo americano nasce das guerras, das reações a ataques terroristas, dos grandes eventos esportivos. O individualismo pode reinar na maior parte do tempo, mas quando uma bomba explode pela cidade, o povo se une na ideia do “nós contra eles”, ou ainda “nós melhores do que eles”. Os personagens desse filme torcem para que a execução dos suspeitos seja transmitida pela televisão ao vivo, ou seja, que o luto também se transforme em espetáculo. A noção truculenta de reação face à tragédia é abordada sem meios-termos pelo diretor David Gordon Green.
Por esta razão, as figuras em tela são pura exterioridade: as pessoas se comunicam através de gritos, lágrimas, socos, aplausos. A narrativa passa de uma cena de berros num elevador a outra de gritos dentro de um carro, depois outra de desespero diante da porta de um edifício, e outra com homens se agredindo num bar. David Gordon Green detesta o silêncio, assim como seus personagens. O pobre Jeff não tem tempo de experimentar a própria dor, de passar um tempo sozinho. Ele precisa aparecer nos programas de televisão, dar entrevistas, ou seja, transformar-se em ídolo. Logo, o banal protagonista, acostumado à rotina de preparador de frangos num comércio popular, se torna um exemplo para a cidade sedenta por mocinhos e vilões.
No elenco, Tatiana Maslany é o maior destaque, por manter uma composição naturalista e simples, mesmo diante do circo de agressões ao redor - a família de seu namorado Jeff, em especial, constitui o grupo de adultos mais insensíveis desde os brutamontes que cercavam Maggie (Hilary Swank) em Menina de Ouro. Diante de Maslany, Jake Gyllenhaal oferece mais uma de suas ultra atuações, com os olhos vidrados e gestos frenéticos. O ator nunca apenas compõe um personagem, ele parece possuído por ele, com todos os prós e contras dessa ideia. Ao menos, o contraste entre ambos gera um atrito interessante que o diretor sabe aproveitar com sua câmera colada aos rostos. Não por acaso, os encontros entre os dois servem de importantes respiro na história.
O Que Te Faz Mais Forte se sobressai por não explorar o sentimentalismo da tragédia em si - os atentados são vistos de longe, a amputação do protagonista adquire contornos discretos. No entanto, o furor evitado no retrato do terrorismo se desloca para a questão de heroísmo. Após aparentemente criticar a obsessão americana por ídolos, a narrativa termina por dizer que Jeff só pode superar seu trama a partir do momento em que aceita, como a sociedade lhe impõe, o papel de figura inspiradora. Por abraçar o heroísmo midiático, ele é recompensado com a paz de espírito, a sobriedade após problemas com a bebida, um amor estável e uma família. Uma noção, convenhamos, bastante tradicional de sucesso.