O cinema como sonho
por Francisco RussoNão é de hoje que o cinema relata a pobreza existente no Brasil devido à exclusão social , com todas as suas mazelas e contradições. Já na década de 1950 o tema foi abordado por Nelson Pereira dos Santos no clássico Rio Zona Norte, estrelado por Grande Otelo. O tema explodiu de vez graças ao sucesso de Cidade de Deus, já no início do século XXI, especialmente pelo lado estético. Era a miséria “bela”, com uma fotografia deslumbrante e de um detalhismo impressionante na ambientação. Como tudo que faz sucesso, gerou frutos – para o bem e para o mal. Na Quebrada é um deles.
Dirigido por Fernando Grostein Andrade, estreante na ficção, Na Quebrada é um típico favela movie. Situado na favela do Capão Redondo, um dos locais mais pobres de São Paulo, o diretor acompanha o cotidiano de um grupo de jovens que têm algumas características em comum: a proximidade com a violência, o desleixo das autoridades, o preconceito de muitos que estão ao redor e a paixão pelo cinema. Este último ponto graças à ação de uma ONG, o Instituto Criar, que ensina os mais variados ofícios relacionados à sétima arte como ferramenta de transformação. O longa-metragem, inclusive, é uma parceria oficial com o instituto, o que acaba sendo um tiro no pé.
Por mais que o Criar faça um belíssimo trabalho na região, sua influência em Na Quebrada resultou em um filme repleto de boas intenções e mensagens de auto-ajuda, no melhor estilo “você consegue se seguir o caminho certo”. Esta pré-disposição prejudica bastante o filme como um todo, não apenas pela obviedade de que cada subtrama, de alguma forma, seguirá este objetivo mas por amenizar a realidade retratada. Por mais que se saiba de antemão que todas as histórias exibidas são baseadas em fatos reais, as mesmas são apenas alguns casos entre tantos outros que não tiveram um desfecho positivo. Tamanho dirigismo visando o “é possível” afasta o filme do tom realista que o próprio roteiro exige para reforçar o tom de sonho através do cinema. É uma contradição permanente que norteia o longa-metragem, impedindo que a história seja aceita plenamente pelo espectador.
Por outro lado, algumas subtramas trazem bons momentos. Como a participação de Gero Camilo, bem caracterizado como um rígido pai de família. É dele a melhor cena do filme, quando questiona o dono de uma loja de reparos que deu emprego ao garoto. A sequência de abertura, que mostra um garoto indo visitar o pai dentro da prisão, também chama a atenção pelo peso da situação. Assim como a história da garota cuja mãe é cega, pelo insólito do retratado, e a participação pequena de Monica Bellucci (mais pelo inusitado). Entretanto, por mais que ofereça bons momentos, o filme como um todo acaba sendo prejudicado também pela trilha sonora manipuladora, que em vários casos revela de antemão o que está para acontecer ou traz um suposto peso inexistente.
No fim das contas, Na Quebrada é um filme bem intencionado que não consegue se desvencilhar do bom mocismo ao retratar seus personagens principais. Há nele vários tópicos interessantes, até mesmo para debate, mas a necessidade de sempre transmitir uma mensagem de apoio incomoda bastante. Talvez o melhor exemplo seja o verso da canção de Caetano Veloso presente no filme, que diz “Eu vou ficar aqui torcendo para tudo melhorar”. É por aí.
Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2014.