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    Esse Viver Ninguém Me Tira
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Esse Viver Ninguém Me Tira

    Coração judaico

    por Francisco Russo

    Você já ouviu falar do anjo de Hamburgo? Aracy Moebius de Carvalho era uma brasileira que, ainda jovem, se mudou para a Alemanha nazista ao lado de seu filho pequeno, de apenas cinco anos de idade. Lá passou a trabalhar no consulado brasileiro onde, quando a perseguição promovida por Hitler apertou, pôde ajudar vários judeus a emigrarem para o Brasil. Foi, por assim dizer, a “Schindler brasileira”, já que suportou toda a pressão e os riscos inerentes de seus atos para fazer aquilo que considera correto: salvar vidas, da maneira que lhe fosse possível.

    A história de Aracy, por si só, já rende um filme interessante pelos seus atos de vida e pela forma como, ao retornar para o Brasil, muito raramente abordou o assunto, sendo mais lembrada pelas memórias de quem foi salvo e seus descendentes. Mais ainda quando se sabe que ela era também esposa do renomado escritor Guimarães Rosa, ou seja, sem buscar os holofotes que inevitavelmente apontavam para o marido. Era a história dela que Alessandra Paiva, codiretora de Esse Viver Ninguém Me Tira, queria contar ao conhecer Aracy ao ler sobre seu falecimento, em 2011. O documentário cumpre de forma satisfatória esta função, ao trazer com boa riqueza de detalhes o contexto histórico da época e as dificuldades inerentes a uma mãe solteira em um país estrangeiro em plenos anos 1930 – isso sem deixar de considerar que não se tratava de um país qualquer, mas a Alemanha de Hitler. Entretanto, é graças à presença de Caco Ciocler na direção que o longa-metragem atinge uma amplitude maior.

    Caco, diretor estreante, foi convidado para o projeto quando este já estava em andamento. Ao invés de simplesmente assinar o filme, ele o assumiu para si e, a partir de então, o transformou. Foi além do que  meramente trazer à tona a história  de Aracy ao abordar o desconhecimento de suas próprias raízes, não apenas seu mas de toda uma geração que hoje olha para o futuro sem refletir sobre o passado. Em meio às pesquisas para o documentário, percebe elos impressionantes consigo mesmo. E, através deles, abre seu coração.

    Diante deste contraponto, o documentário sobre Aracy aos poucos torna-se sobre Caco. Sem demérito algum, porque a transição não diminui os feitos do anjo de Hamburgo e ainda ressalta características típicas da sociedade atual, fazendo refletir. Um filme delicado e que surpreende pelo rumo autoral da narrativa, tão bem revelado na desconcertante e singela cena pós-créditos onde Caco Ciocler tem uma conversa franca com seu avô.

    Filme assistido durante a cobertura do 42º Festival de Gramado, em agosto de 2014.

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