Alfred Dreyfus (Louis Garrel, de Adoráveis Mulheres) é capitão do exército francês e um dos poucos judeus alistados. No final de 1894, é acusado de alta traição por ter fornecido informações secretas para a Alemanha, condenado à prisão perpétua, exílio na colônia penal da Ilha do Diabo e expulso das forças armadas em uma cerimônia humilhante.
O recém-promovido e nomeado chefe do serviço de inteligência do exército, Coronel Georges Picquart (Jean Dujardin, de O Lobo de Wall Street), durante uma investigação de um outro caso de traição, descobre provas que mostram que o Capitão Dreyfus é inocente e inicia sua luta para inocentar o colega oficial. Obtém o apoio e ajuda do grande escritor Émile Zola (André Marcon, de O Melhor Está por Vir), que publica uma carta aberta em um jornal ao presidente da França na qual afirma a inocência de Dreyfus e acusa o alto escalão do exército de serem os verdadeiros responsáveis. A carta tem o título de “J’ Accuse” (“Eu Acuso”).
O final do século XIX é turbulento para França com um amontoado de acontecimentos tais como a derrota na Guerra Franco-Prussiana, a Comuna de Paris, a ascensão da Terceira República, o escândalo de corrupção na construção do Canal do Panamá e conflito de separação entre Estado e Igreja, que levaram o país ao caos político e social. O “Affaire Dreyfus” (“Caso Dreyfus”, em francês), serviu tanto como válvula de escape quanto como desculpa para os problemas que ocorriam – a famosa e manjada “conspiração judaica” junto com a “invasão de estrangeiros” que “deturpavam a cultura, a moral e os bons costumes”.
Mais de 120 anos depois, o “Affaire Dreyfus” continua a ser um assunto quente na França. É um daqueles episódios que uma nação acaba por sentir vergonha de si mesma, pois, além de ser um exemplo de injustiça, com erros jurídicos grosseiros, também mostra o antissemitismo e a xenofobia, dois problemas que, em século XXI, persistem em permanecer entre nós, particularmente na Europa onde, devido a volta de partidos e/ou movimentos de extrema-direita, episódios preconceituosos, principalmente contra imigrantes, refugiados e outras minorias ocorrem com frequência cada vez maior.
Embora a história seja verdadeira, a principal fonte de O Oficial e O Espião é o romance homônimo do escritor britânico Robert Harris, que também foi o autor do roteiro junto com o diretor do filme, o cineasta franco-polonês Roman Polanski (A Pele de Vênus). Ambos já haviam trabalhado juntos no filme O Escritor Fantasma (2010), outra adaptação de uma obra de Harris. Antes disso, quando conheceram um ao outro, o escritor sugeriu a Polanski adaptar outro romance seu, Pompéia, obra inspirada, segundo o próprio Harris, no clássico Chinatown (1974). Embora o diretor tenha interessado-se, o projeto não avançou.
Em O Oficial e O Espião, Polanski, já com 86 anos de idade, mostra estar em plena forma. Seu trabalho na direção é seguro, preciso, pondo as doses certas de emoções sem apelar para o drama barato. O filme é uma denúncia contra o racismo, antissemitismo e xenofobia, mas também é um thriller político, policial além de filme de tribunal. É uma verdadeira salada, mas Polanski faz a película fluir tão bem na tela que essa mistura acaba por ser perfeitamente harmoniosa.
A mão de Roman Polanski também pode ser vista na direção do elenco. Jean Dujardin, após sua consagração no Oscar e no Festival de Cannes com a conquista dos prêmios de Melhor Ator com o filme O Artista (2011), tem outra performance digna de premiação. Com atuação discreta, mas moderna e impactante, Dujardin transforma Georges Picquart no tipo de herói que deve-se aplaudir: com coragem – sem ser um Brucutu truculento - e consciência de dever e justiça. Ele não superpoderes como os super-heróis da Marvel e da DC. O seu poder reside no seu alto senso de moral e de busca pela verdade. Mesmo o caso que tem com uma mulher casada, que, para alguns, pode ser algo reprovável, é mostrado mais como uma imperfeição de um ser humano (imperfeição essa a qual todos estamos sujeitos) do que de um herói.
Louis Garrel aparece pouco em O Oficial e O Espião, mas quando aparece, sua performance dá tamanha dignidade ao personagem que interpreta, o Capitão Alfred Dreyfus, (como, por exemplo, na cena da humilhante expulsão do oficial), a ponto de sentirmos sua presença nas partes em que não aparece. Aliás, para mim, uma pequena falha de O Oficial e O Espião, é justamente essas poucas vezes que Garrel aparece, embora o personagem principal seja Picquart e não Dreyfus.
A esposa de Polanski, a atriz e cantora Emmanuelle Seigner (No Portal da Eternidade), interpreta Pauline Monnier, a mulher casada que tem um caso de Georges Picquart. Aos 53 anos, Emmanuelle continua muito bonita e uma atriz cada vez mais segura. Embora sua personagem não tenha grande interferência no “Caso Dreyfus”, ela mostra ser não apenas o interesse amoroso do herói, mas igualmente uma mulher de personalidade independente, à frente de seu tempo.
O Oficial e o Espião vem colecionando prêmios desde a sua prèmiére, em 2019. No Festival de Veneza, conquistou o Grande Prêmio do Júri, além do Prêmio FIPRESCI para Polanski e o prêmio de Melhor Filme de Língua Estrangeira. Já no Prêmio César (versão francesa do Oscar) deste ano, foi indicado a 12 prêmios, tendo conquistado os de Melhor Figurino, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Diretor para Polanski.
Embora O Oficial e O Espião seja um campeão de bilheteria na França, à frente de arrasa-quarteirões como Frozen II e Star Wars: A Ascensão Skywalker, as polêmicas insistem em acompanhar Roman Polanski devido ao já mais do que conhecido escândalo das relações sexuais que teve com uma menina de 13 anos até a mais recente, um suposto caso de estupro que teria ocorrido em 1975. As manifestações das feministas desde a estreia do filme são constantes.
Por tudo isso, Polanski está a tornar-se um recluso, raramente aparece em público, tanto que não foi receber os prêmios que conquistou em Veneza e Paris. Emmanuelle Seigner foi em seu lugar. Em Veneza, ela comentou as polêmicas que envolvem seu marido e sua relação com O Oficial e O Espião:
“Para mim é difícil falar pelo Roman. O que posso dizer é que o sentimento de perseguição patente no filme é algo que ele conhece bem. Basta olhar para a sua vida”.
Com ou sem polêmicas de Roman Polanski, O Oficial e O Espião é um filme que chega em um momento oportuno. Na era das trevas em que vivemos atualmente em nosso país tendo como mandatário um demente à frente de uma equipe de governo formada por verdadeiros lunáticos com um “guru” que não passa de um astrólogo boca-suja, as mensagens que o filme transmite de anti-racismo, anti-preconceito, a busca pela verdade e uma justiça que faça jus ao nome, são mais do que necessárias. São cruciais.