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    São Paulo Em Hi-Fi
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    São Paulo Em Hi-Fi

    Cultura gay brasileira

    por Bruno Carmelo

    Os Estados Unidos já forneceram diversos documentários e ficções sobre o que poderia ser considerada uma “cultura gay americana”: suas especificidades artísticas, linguísticas e de modo de vida relacionadas à comunidade LGBT. São filmes que ressaltam as principais manifestações, as principais personalidades envolvidas, os cafés, os cinemas, as ruas que marcaram uma época. São Paulo em Hi-Fi, de certa maneira, começa a propor uma oportuna e importante documentação audiovisual do que seria a cultural gay brasileira, e sua evolução histórica.

    Seria impossível aprofundar um conceito tão abrangente em um único projeto, e o diretor Lufe Steffen inteligentemente opta por um tema preciso, mas capaz de representar uma cultura mais ampla: a noite gay paulista dos anos 1960, 70 e 80. A investigação trata essencialmente das boates e discotecas da época, com suas decorações, músicas, drag queens e travestis. Mas ao se falar da dança e da performance, destaca-se também a associação com os cafés, cinemas e principais ruas onde viviam e transitavam gays, lésbicas, travestis e transexuais da época.

    Este retrato histórico poderia ser didático e expositivo, mas o cineasta prefere uma abordagem afetiva. São apresentados dezenas de indivíduos relatando as suas lembranças mais queridas, vergonhosas ou marcantes. É um prazer assistir a tantos sorrisos enquanto essas pessoas evocam um período tão importante de suas vidas. Talvez algumas histórias não tenham acontecido exatamente da maneira como foram contadas, e tenham sido deturpadas pelas lembranças. Mas o tema do filme é justamente a construção de uma memória coletiva gay, com seus afetos e contos.

    Os registros de época existem, essencialmente das performances no palco das casas noturnas. Os números coreografados mostram a riqueza da produção e revelam as principais canções dos anos retratados, além dos figurinos, dos penteados, das danças. Steffen esforça-se para fazer com que o tema das danças se comunique com o dos relatos através da montagem, mesmo que de maneira simbólica: quando os entrevistados citam a entrada da polícia em boates noturnas, mostram-se coreografias envolvendo caubóis e policiais; quando se cita o impacto da AIDS, escolhe-se um número triste, parcialmente sem som, sobre uma mulher com a sua pistola na mão, apontando para os dançarinos no palco.

    Assim, de maneira lúdica e divertida, entre piadas e anedotas, São Paulo em Hi-Fi começa a inserir o tema em discussões sociais mais importantes, como a separação entre discotecas de classe alta e outras populares, a distinção entre lugares para gays e lésbicas, a evolução do linguajar da comunidade LGBT, as condições socioprofissionais de dançarinos e apresentadoras das casas noturnas. Como já havia mostrado no ótimo A Volta da Pauliceia Desvairada, Steffen possui um olhar de sociólogo, mais do que historiador, buscando compreender uma sociedade através de sua estrutura e sua relação com as sociedades ao redor.

    Por fim, é com grande simplicidade que o documentário usa a alternância entre depoimentos e imagens de arquivo. Ao invés de se limitarem a criar o ritmo no filme, esses trechos dialogam entre si, produzem um discurso, estabelecem a ponte entre o fato e a lembrança, entre o real e o imaginário. Cabe ao espectador tentar inserir tantos casos absurdos em um mesmo contexto: consegue imaginar Wilza Carla chegando à festa gay sobre um elefante, ou um homem aparecendo nas festas vestido de borboleta, saindo de um caminhão de mudanças? É na articulação entre o individual e o social, o público e o privado, que reside o grande valor de São Paulo em Hi-Fi.

    Filme visto no Rio Festival Gay de Cinema 2014.

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