No terreno do sentimentalismo
por Bruno CarmeloAos 92 anos, Madeleine (Marthe Villalonga) quer morrer. Ela não sofre com nenhuma doença específica, apenas se cansou do desgaste físico e emocional da velhice, e repudia a ideia de se tornar dependente dos filhos e dos hospitais. Apesar do espinhoso tema da eutanásia, a diretora Pascale Pouzadoux pretende tratar A Última Lição como uma inesperada comédia dramática, um feel good movie recheado de lições de vida. A lição do título, vale avisar, é destinada ao espectador, não aos personagens.
O problema desta premissa é tentar extrair humanismo de um roteiro questionável. Com exceção da filha Diane (Sandrine Bonnaire), Madeleine está cercada de estereótipos ambulantes: o filho Pierre (Antoine Duléry) é um executivo, portanto está sempre ao telefone falando com chineses e tentando resolver seus problemas de modo pragmático. O neto gosta de surfe, portanto fala sobre o esporte sem parar. A empregada doméstica é uma mulher africana, por isso entoa canções africanas e dispara lições de vida ligadas à natureza. O genro é um tipo que gosta de produtos naturais, então fala sobre comida orgânica na totalidade de suas cenas.
Os diálogos e reviravoltas não são muito melhores. Os personagens verbalizam os sentimentos, como se não fossem claros o bastante pela trilha sonora e pelas atuações exageradas. Pouzadoux possui uma mão pesada para o melodrama, forçando seus atores a contorcerem o rosto de tristeza na intenção de sublinhar algo que, por si só, já seria suficientemente triste. Pressentindo a importância de cenas engraçadas para equilibrar o tom, ela introduz instantes de gargalhadas entre mãe e filha, que surgem de lugar algum e terminam do mesmo modo abrupto. Quando Diane caminha pela rua, ela encontra convenientemente um enfermeiro que lhe oferece pérolas de sabedoria.
Num projeto que carece tanto de tato, A Última Lição decepciona pela artificialidade. Não basta mostrar que a senhora idosa tem dificuldades em viver sozinha: é preciso criar uma cena catártica, com closes assustadores dentro do banheiro. Não basta que mãe e filha se aproximem por causa da eutanásia: as duas precisam repetir o exato diálogo que mantinham durante a infância de Diane, para que o público perceba a inversão dos cuidados. Quando não estamos no terreno do sentimentalismo descarado, a mise en scène revela-se de uma pobreza monumental - vide os planos e contraplanos dos diálogos e a aparição de um novo personagem de importância nula à trama.
Apesar de tantos problemas, é louvável a tentativa de debater a eutanásia longe da moral religiosa, assim como é interessante mostrar a vida de uma mulher militante que não perdeu seus ideais políticos com o passar do tempo. É clara a intenção de transformar o tema duro em algo palatável, acessível ao público médio, como fez, por exemplo, o excelente drama alemão 24 Semanas com a questão do aborto. Infelizmente, o projeto privilegia a manipulação dos sentimentos ao debate racional sobre a autonomia das pessoas sobre suas vidas.