Sobre carências, traições e sentimentos
por Francisco RussoO cinema francês, mais do que em qualquer outro país, talvez seja aquele mais aberto em relação aos relacionamentos. Reflexos da Nouvelle Vague, especialmente do icônico Jules e Jim - Uma Mulher para Dois, e também de uma certa liberalidade entranhada no inconsciente coletivo. É com estes elementos enraizados que o diretor Jérôme Bonnell trabalha em seu novo longa-metragem, A Três Vamos Lá, no sentido de não haver qualquer tipo de preconceito a relações homossexuais. Trata-se de uma espécie de mundo ideal, onde o desejo e o sentimento são mais importantes do que regras morais impostas a todo custo, como se vê em tantos locais (no Brasil inclusive).
Logo a primeira cena é uma síntese daquilo que será trabalhado ao longo dos 86 minutos de duração: Mélodie, uma jovem advogada, tendo que lidar com o casal formado por Charlotte e Micha. Com ela a jovem mantém um tórrido romance há seis meses, pontuado por muito sexo e pouca atenção. É justamente esta carência, presente também nele, que faz com que os dois se aproximem. Ou seja, logo Mélodie mantém relacionamentos secretos com os dois lados do casal, sem que um saiba da traição do outro.
É neste cenário tipicamente adolescente, onde jovens adultos dão vazão às vontades e desejos sem pensar nas consequências, que o também roteirista Bonnell desenvolve sua história. Buscando se afastar dos clichês típicos da comédia romântica, o diretor constrói um romance sóbrio mais baseado em paixões do que em sentimentos verdadeiros - o que acaba combinando com o clima adolescente do trio protagonista. A trilha sonora discreta ajuda a pontuar este clima de seriedade, mesmo nos momentos em que seria possível partir de vez para a comédia de encontros e desencontros. É neste sentido que Bonnell aparenta brincar com o espectador, insinuando possíveis caminhos apenas para, posteriormente, puxar o freio de mão nas expectativas criadas - o que nem sempre funciona, é bom ressaltar.
Linear e até certo ponto simplório, A Três Vamos Lá acaba sendo um filme que atrai mais pelos conceitos arraigados do que propriamente pelo desenvolvimento da narrativa. Se Anaïs Demoustier até cumpre as exigências de sua Mélodie, tanto nas dúvidas que carrega a todo instante quanto em relação à sensualidade, o casal interpretado por Sophie Verbeeck e Félix Moati se sustenta apenas na beleza visual. Sem conseguir provocar o envolvimento do espectador pelo trio protagonista, resta a importante mensagem sobre a igualdade nos relacionamentos - mas, ainda assim, há uma certa traição ao ideal bem no final. Razoável.