‘Entre Abelhas’ (2015) é produzido pelo ‘Porta dos Fundos’, grupo famoso principalmente por causa de seu canal no You Tube, que traz no seu elenco, Fábio Porchat, como ator principal, entre outros atores da produtora de vídeos. É dirigido por Ian SBF, sócio do Porta e diretor dos primeiros vídeos, que tornaram o coletivo uma sensação da internet. Agora sua equipe quer mostrar que pode transcender não só seu meio de produção, como também o gênero que os consagrou.
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Fábio interpreta Bruno, um editor de vídeos que para de enxergar algumas pessoas gradualmente, numa analogia com a depressão, após se separar contrariado da esposa Regina (Giovanna Lancellotti). Sua mãe encarnada por Irene Ravache tenta ajudá-lo a se tratar, gerando várias cenas cômicas, bem como sua interação com o melhor amigo Davi (Marcos Veras). Aí temos dois tipos diferentes de humor, o tratamento da doença do personagem principal gera um riso nervoso, pois no fundo sabemos que na vida real isso não seria engraçado. Diferente das piadas feitas por Davi que são escrachadas como as que contamos no dia-a-dia em rodas de bar.
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As comédias têm dominado e saturado o cinema brasileiro já há um bom tempo, algumas tem certa qualidade, mas a grande maioria é uma extensão das novelas da Rede Globo e costumam ocupar a maior parte das salas de cinema reservadas à produção nacional. Os audiovisuais da internet têm substituído cada vez mais a TV no papel de levar o humor ao público, prova disso é que as mídias tradicionais têm importado esses programas, chegando a reprisá-los, principalmente em canais a cabo. O cinema também tenta atrair o público utilizando estes novos atores que se destacam nos meios digitais, mas muitas vezes acabam desgastando a imagem destes artistas. Fábio Porchat é um exemplo disto, rendeu algumas boas comédias, mas as últimas já passavam uma sensação de repetição, mesmo que sempre rendam uma bilheteria razoável.
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Entre Abelhas foge deste círculo vicioso e se destaca por sua qualidade narrativa e esmero técnico. O personagem principal é uma pessoa comum como qualquer um e não tem a obrigação de ser engraçado o tempo todo, mesmo que sempre fiquemos esperando uma expressão cômica de Porchat, que apresenta uma de suas melhores performances como ator, sem causar estranhamento por não estar tentando fazer rir. A fotografia que utiliza cenas noturnas da cidade, provavelmente São Paulo, remete a uma metrópole de qualquer lugar, gerando uma identificação com quem mora nos grandes centros. As piadas às vezes não se encaixam em algumas cenas por quebrarem a construção dramática, mas servem para agradar quem for assistir ao filme em busca de diversão e não atrapalham a história. Certo é que se trata de um longa universal, que envolve o público “médio”, bem como espectadores mais exigentes e experimentados.
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Além disso é sempre no mínimo interessante, ver um ator jovem que se destaca em um determinado gênero aventurando-se em outro e no caso de Porchat, o resultado é satisfatório. Tanto sua atuação quanto o roteiro do filme favorecem a construção de seu personagem e dialoga com sua própria história, de astro que cresceu junto à popularização da tecnologia da informação. Seu discurso discute, como nos relacionamos atualmente, através das redes sociais, dos novos dispositivos de informação e como prestamos cada vez menos atenção ás pessoas a nossa volta, tornando-se invisíveis no nosso cotidiano, como abelhas no meio-ambiente. E o fato de o longa-metragem se preocupar mais com o drama, mesmo que não esqueça da comédia, atribui a ele uma qualidade diferenciada dentre as tantas outras lançadas nos últimos anos.
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Certamente o que falta para a nossa indústria cinematográfica é pensar um pouco com uma visão de mercado, que não dependa apenas de comédias, mas que consiga abordar também temáticas mais “sérias” e ainda assim seja rentável e não precise de leis de incentivo para ser viável. E Entre Abelhas parece ir nesta direção, utiliza sua popularidade advinda de sua origem no entretenimento cibernético, para expandir seu alcance de diálogo e significados. Busca provar para a indústria, que ainda há espaço para crescer, criar de diferentes formas e que existe um público ansioso por consumir esse tipo de cultura.
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É sempre natural comparações entre o cinema brasileiro e o argentino, principalmente por serem vizinhos. O Brasil possui uma produção independente com tanta qualidade quanto a da Argentina, vide as safras do cinema pernambucano dos últimos anos. Mas, não se pode negar, que os “hermanos” são melhores sucedidos quanto a transformarem seus filmes em um produto de exportação e já produzem há algum tempo filmes similares ao Entre Abelhas, como o simpático ‘Medianeras’ (2011). Não é à toa que figuraram no Oscar diversas vezes nos últimos anos, com filmes como ‘O Segredo de Seus Olhos’ (2009) e ‘Relatos Selvagens’ (2014). Mesmo que nós tenhamos também destacado vários diretores internacionalmente, como Fernando Meireles, Walter Salles e mais recentemente José Padilha, nosso mercado interno tem ainda um potencial muito maior a ser alcançado. Por isso filmes como Entre Abelhas se fazem tão importantes na cena nacional.
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Este é o primeiro filme com que o Porta dos Fundos promete começar uma série de lançamentos para o cinema. Ainda em novembro de 2015, estreará ‘Porta dos Fundos: o Filme’, que pretende ter continuações, além deles já terem expressado a intenção de continuar lançando filmes de diferentes gêneros todos os anos. Para quem só acompanha os esquetes de poucos minutos do canal de comédia, talvez não saiba que eles também lançaram em 2014 duas minisséries com cinco episódios cada, com pouco mais de 15 minutos de duração. São “Viral” e “Refém”, que apesar de não figurarem entre seus vídeos mais populares, que passam do dez milhões de visualizações, talvez por exigirem mais comprometimento do público, merecem ser assistidos pois chamam atenção por sua qualidade de produção.
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Ter uma nova produtora cinematográfica de qualidade reconhecida, que nasceu na internet - mas que pensa grande e entende as novas linguagens de comunicação - migrando para a telona, ascende uma nova chama de esperança para a nossa cinematografia. Há tempos que já se fazia necessário uma nova onda de produção audiovisual que impulsionasse nosso mercado para diferentes rumos, investindo em gêneros menos populares, para públicos mais exigentes, de forma a fazer frente ao domínio hollywoodiano e da Globo Filmes. Como cinéfilos e torcedores da produção nacional, esperamos que sejam bem-sucedidos e nos apresentem obras cada vez melhores, abrindo caminho para que outras também se arrisquem, numa ampla produção de qualidade no cinema brasileiro.