Triste tropeço
por Renato HermsdorffCom A Primeira Missa ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum, a cineasta Ana Carolina certamente foi bem intencionada ao retratar com humor as agruras de se fazer cinema no Brasil. Porém, dificilmente vai atingir um público diferente daquele formado por cineastas independentes que passam pelos mesmos percalços de rodar um filme.
Inspirada no quadro “Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meireles, a trama do longa-metragem gira em torno de um grupo de cineastas tentando reconstruir um marco na história do Brasil: a encenação da primeira missa no país, com a chegada dos portugueses. Índios perdidos estão reunidos em torno dos patrícios, que discutem como proceder o rito religioso. Dois passos para trás, no entanto, e logo vê-se tratar de um set de filmagem.
É quando chegam os representantes dos poderes público e econômico, nas figuras dos burocratas do Estado, do patrocinador e até do investidor estrangeiro, todos a fim de dar seus pitacos nos rumos da obra, cuja realização se torna praticamente inviável. Cineasta sofre, é verdade. É aí, na representação da alegoria dos poderes que residem as denúncias a que o filme se propõe. “Quem gosta de cinema brasileiro, gosta de cinema brasileiro americano”, diz o diretor do filme dentro do filme (Dagoberto Feliz) a certa altura. Recado dado. As críticas são pertinentes.
“Os distribuidores são os verdadeiro produtores de um filme”, brada alguém em determinado momento; “a política cultural não pode ser partidária”, diz outro; “é preciso regulamentar”; “dinheiro é tesão”. Recado repetido. E repetido, repetido, repetido... Ao longo de uma hora e meia, (quase) não se chega a lugar nenhum, do ponto de vista dramatúrgico. Por que é difícil chegar a algum lugar? É possível. Mas entediante.
Paralelo a tudo isso, correm histórias como a do envolvimento do diretor com a atriz principal (a boa Alessandra Maestrini, em um registro, no entanto, típico de Zorra Total); a continuísta megalômana (Xuxa Lopes, tão perdida como seu personagem); o ator egocêntrico (Mariano Mattos) preocupado com o seu umbigo, quer dizer, monólogo. Episódios que parecem flutuar dentro da trama central de reclamação/ denúncia.
O filme ainda conta com um grupo de atores portugueses e participações quase imperceptíveis de Rita Lee e Arrigo Barnabé. Fernanda Montenegro faz uma ponta com mais sustância, como uma Nossa Senhora um pouco... diferente. (Segunda incursão dela no “papel”, que representou em O Auto da Compadecida). Pelo inusitado do personagem, é um dos pontos altos do filme.
Não que a falta de realismo seja, necessariamente, um problema (trata-se de uma comédia, afinal). Prova disso é o cenário, que recria a Mata Atlântica com plantas artificiais, painéis representando o mar, riachos falsos, de uma maneira linda, poética, até. Mas a artificialidade do roteiro faz sombra.
A experiente cineasta Ana Carolina (de uma cinematografia fortemente associada à história do Brasil, como o documentário Getúlio Vargas), em seu sétimo longa (o último havia sido Gregório de Mattos, de 2003), mostra, mais uma vez, que tem domínio de câmera, do enquadramento, que entende da iluminação. Mas opta por uma narrativa cansativa que só deve fazer rir quem já tentou fazer um filme no Brasil – tentou e não conseguiu, diga-se.