Comédia agridoce
por Bruno CarmeloComo centenas de comédias populares, esta obra argentina aposta na diferença de gêneros e no choque de opostos: espera-se que os homens sejam brutos e insensíveis, mas quando o empresário Eugenio (Fabián Arenillas) desaparece, é o seu melhor amigo Santiago (Guillermo Francella) que fica profundamente abalado. Já a insensível Laura (Ines Estévez), esposa do homem sumido, assume o papel do marido na empresa e segue sua vida. Homem delicado contra mulher bruta: esta poderia ser uma versão hispânica de Se Eu Fosse Você, mas felizmente a história de Daniel Burman visa outros horizontes.
O tom de O Mistério da Felicidade é leve, mais dramático do que cômico. Não existem piadas físicas, escatológicas, nenhuma farsa absurda. Partindo do desaparecimento inicial, a sequência é bastante plausível, até levemente monótona, retirando da tristeza o seu desespero, e do recomeço, a sua euforia. Santiago e Ines passam a se conhecer, trabalhar juntos, e subitamente transformam-se em pessoas menos banais do que seus estereótipos poderiam sugerir. Ele não é tão apático, ela não é tão cerebral quanto se parecia. Os opostos se atraem, afinal, mas não necessariamente no romance (como o cartaz brasileiro parece sugerir), e sim no equilíbrio de sensibilidades.
Quando tenta se transformar em uma comédia pura, a narrativa atinge os seus momentos mais fracos. Burman força a mão nas cenas do tipo, incluindo a presença desnecessária de um detetive e uma interminável cena inicial, destinada a mostrar como os amigos são de fato inseparáveis. Mas nos instantes de drama, na doce convivência entre os protagonistas, Burman demonstra o seu talento como diretor. A cena em que Santiago e Ines conversam até adormecerem, deitados na cama sob um mosquiteiro, é realmente comovente, sem precisar apostar em reviravoltas ou conflitos acessórios.
Os atores são muito bons, mostrando-se à vontade neste tipo de material. Francella, visto recentemente nas telas brasileiras com Coração de Leão – O Amor Não Tem Tamanho, novamente equilibra humor e tristeza nas mesmas cenas, com seu rosto expressivo e belo trabalho de voz. Estévez gradativamente torna a sua personagem mais complexa, retirando-a do clichê da madame que se entope de medicamentos. Por baixo da aparência rígida, Laura transparece as dores de um casamento cansado e sem paixão.
Quanto à presença brasileira na trama, ela é menos narrativa do que produtiva. As belas praias de Grumari aparecem como um idílio, um cenário exótico para fisgar turistas argentinos. A presença dos personagens em solo brasileiro tem pouca relevância narrativa (a cena poderia se passar em qualquer canto distante da própria Argentina), sendo justificada principalmente pela necessidade de valorizar o produtor brasileiro envolvido. Mesmo assim, é neste Brasil de cartão postal que O Mistério da Felicidade entrega um final respeitoso, apesar de não muito inovador.
O resultado final é delicado e bem feito, apesar de nunca se aprofundar tanto nos personagens quanto parece prometer. Ele é feito na medida certa para não incomodar ninguém, não ofender nenhuma sensibilidade, mas também não desagradar os olhos. Em outras épocas, poderia ser uma obra pouco memorável, mas exibido entre dezenas de comédias grosseiras e paspalhonas, este humor adulto se sobressai como um produto acima da média.
Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2014.