Quando, vezes ou outra, somos confrontados por uma história que, ao menos anteriormente, não tinha nada de especial, o sentimento que surge, geralmente, é sempre muito maior. E é o que acontece com esse filme aqui. Ponte Aérea se tornou algo bem especial pra mim, por todo o coração e verdade que todos os envolvidos colocaram num filme que, muito provavelmente, será pré-julgado, esquecido, e muito pouco visto. Eu mesmo nem estava querendo ver, e fui apenas por causa da indicação de um amigo que havia amado - e com toda a razão.
Razão, claro, pois é um filme de amor dos anos atuais. Júlia Rezende parece compreender de forma profunda e gradual o tipo de relação que busca retratar, e introduz Amanda e Bruno de uma forma bem inteligente. É fluido, é cheio de bom humor e momentos singelos, e dois atores que são escolhas perfeitas pro papel. Embora eu implique um pouquinho com o sotaque feito por Caio Blat, ele manda muito bem no que o personagem pede emocionalmente falando. E sobre Letícia Colin não precisa nem dizer. Que atriz extraordinária, num momento magnífico! Das mais subaproveitadas do país atualmente, não tenho palavras pra descrever como fico feliz com seu destaque num filme bom como esse.
Histórias de amor que duram apenas noventa minutos podem ser pra vida toda. É uma mensagem simples e direta, mas que resume Ponte Aerea. Em meio a voos e escalas aqui e ali, a diretora/roteirista fez uma ode às relações à distância, ao mesmo tempo em que desenvolveu uma carta de amor às duas cidades em que seus protagonistas passam: Rio de Janeiro e São Paulo. Isso em atos pequenos, como conversar sobre os costumes de cada região, ou na forma com que cada personagem demonstra seu amor pelo lugar de origem, e estão todos lá, de forma inerente, permeando cada uma das passagens que dão o tom da relação entre Amanda e Bruno. Se São Paulo nunca dorme, e Amanda tem que domar um leão por dia, o Rio não te permite ser triste em meio a tanta beleza. Onde a depressão paulista encontra a malandragem carioca, Amanda e Bruno resolvem (tentar) dar certo.
Mas não é tão fácil assim. Interessante como cada qual representa muito bem o "clima" de sua cidade, e dá pra fazer um paralelo muito bacana entre eles. Bruno se apaixona muito fácil, e se entrega a Amanda, fazendo todo o tipo de loucura que pode pra poder vê-la ("Quero te ver"/"400 km te impedem. Impossível" - nem tanto), enquanto ela, como retrato ideológico de um paulista, demora pra se entregar por só ter cabeça pro trabalho - e ter, nisso, uma fuga pra não entrar em uma relação amorosa, não se entregar de fato. Daí que acontece a tal virada entre os dois, Bruno surta quando Amanda já está apaixonada por ele, o que a destroi completamente. E o quão covarde é você cativar uma pessoa e a desamparar após um tempo? Amanda sucumbe, como a tal depressão citada, caraterística paulista também, e percebe que sua vida se torna um caos - agora, inclusive no trabalho - sem a presença daquele que ela, mesmo outrora relutante por tanto tempo, se rendeu.
O roteiro é bem bacana mesmo, até na forma com que trata a questão da "paternidade" repetina que o protagonista tem que enfrentar, inserindo-a dentro do próprio relacionamento de modo a transformar em imagem o novo ciclo de intimidade entre o casal. Amanda meio que adota não só o irmão de Bruno, mas Bruno também: é uma perspectiva quase freudiana que surge aqui, onde ela percebe que depende dele até muito mais do que ele dela. O jogo vira. Algo acontece, e Bruno se esvai. "Ás vezes a gente tem que saber perder com classe", a frase dita pelo colega de trabalho ecoa em sua cabeça, e ela luta contra a própria razão. Isso tudo culmina numa das melhores cenas do filme, que é a discussão na frente da galeria, onde ela luta contra si mesma, e resolve tentar uma última vez não se ignorada. De fato, se humilhar, ir atrás de alguém que, antes lhe jurava amor, mas dugiu e não atendeu nenhum de seus chamados.
"Que cagada me envolver com você", frase proferida por Amanda, talvez resuma muitas relações que poderiam ter sido muito mais do que foram mundo afora hoje em dia - daí eu digo que o filme seja tão lindo em sua proposta realista -, só que aqui, o que vem depois é muito mais bonito. O momento do diálogo "E aquela coisa que vc disse sobre saber perder com elegância?"/"Foi uma história que inventei pq tinha medo de tentar de novo" lança uma nova luz em meio às vozes que passam a ecoar na perspectiva da personagem. A cena final, apesar de aberta, é um olhar tão positivo sobre términos precoces que é bem difícil não se emocionar. Interessante notar, também, o quanto a tal irmã de Amanda que largou a vida toda pra ir pra Curitiba viver com um contador que toca numa banda de rock é tudo o que ela queria ser... mas não é. Talvez por ter exigido o mesmo de Bruno, ou porque a vida, em si, cria perspectivas crueis, difícil dizer. Talvez os dois. Talvez projetar no outro aquilo que você queria pra si, e não pode ser, seja ainda mais cruel do que a própria vida.
Mas sempre pode haver o momento final, o momento em que depois de tanto tempo separados - mas com a cabeça um no outro -, em outro tempo, outro contexto, as coisas podem finalmente começar a se resolver... ou recomeçar:
"- Aquele dia lá na exposição, eu fui um babaca, devia ter falado desculpa, só isso... na verdade eu não acreditei que você apareceu, o que você foi fazer lá?
- Não sei até agora se eu fui lá te dar um soco na cara ou falar pra você que eu te amava.
- Como é que a gente nunca falou isso um pro outro?
- Sei lá... acho que amar é coisa de outros tempos, né, dos tempos daqueles velhinhos que a gente conheceu naquela festa.que você me levou."