Noite de lua cheia
por Francisco Russo"A noite vai ter lua cheia
Tudo pode acontecer
A noite vai ter lua cheia
Quem eu amo vem me ver
Tem a ver com o mar
Um luar solar
É o amor que me incendeia"
É muito provável que os roteiristas Jean-Francois Richet e Lisa Azuelos não conheçam a canção "Sexy Yemanjá", de Pepeu Gomes, música-tema da novela Mulheres de Areia - mas ela bem que poderia ser inserida em uma versão tupiniquim de Doce Veneno. Tudo porque este drama francês tem sua grande virada justamente em uma noite de lua cheia, momento em que "as mulheres ficam loucas" (palavras do filme). Por mais que seja uma metáfora sobre o quanto as condições de momento podem interferir para que atos até então impensáveis enfim aconteçam, é interessante prestar atenção no fato de que a culpa pela "loucura" é dela, não dele. Reflexo implícito de como homens e mulheres são encarados pela sociedade moderna, algo que também pode ser notado através da hipocrisia existente no personagem de François Cluzet. Se por um lado encarna o posto de pai controlador, também assume para si uma leveza de comportamento em relação ao próprio casamento que soa inconsistente com o que prega à filha.
Entretanto, antes que tudo isto aconteça, o também diretor Richet elabora uma considerável ambientação que ressalta as belezas da Córsega, lugar bucólico povoado de mar e montanhas capturado por panorâmicas logo nas sequências iniciais. É curioso notar como Doce Veneno se divide de forma muito clara entre antes e após a tal noite de lua cheia. Antes, o filme insiste no conflito de gerações, ressaltando as diferenças de interesses entre pais e filhas, às vezes até com um certo exagero. Há também um esforço de forma a ressaltar a amizade existente entre eles e também entre elas, como se cada lado formasse um time com interesses próprios. É Louna (a estreante Lola Le Lann, convincente) quem rompe esta divisão geracional, ao partir para o ataque rumo a Laurent (Vincent Cassel, bem à vontade). É sob a lua cheia, diante de um mar sedutor, ligeiramente bêbados, que tudo acontece e o filme, enfim, começa de fato.
Investindo de forma mais incisiva na sensualidade de Lola Le Lann - com direito a nudez frontal, afinal de contas este é um filme francês -, Doce Veneno passa a lidar com questões envolvendo culpa e chantagem, mas sem perder um certo tom cômico. A segunda metade do filme trabalha basicamente as consequências da noite de lua cheia, com direito a joguinhos adolescentes que provocam uma certa tensão e o desespero do personagem de Cluzet em descobrir quem é o grande amor de sua filhota. É quando entra em cena uma certa barriga e algumas situações bem manipuladoras, no intuito de forçar que Cassel e Lann fiquem a sós a todo instante.
Refilmagem do também francês Un Moment d'égarement, Doce Veneno não tem por objetivo se aprofundar em questões éticas envolvendo um possível relacionamento entre pessoas de idade tão diferentes, mas apenas trazer um panorama até genérico sobre o tema, se apropriamendo do clima bucólico trazido por um cenário paradisíaco. Dentro do que se propõe, cumpre bem. O elenco é coeso e convincente, com brilho maior para a desenvoltura de Vincent Cassel. Mas não vai muito além disto, proporcionando uma mera diversão passageira.