Desde que se tornou um cineasta de filmes "de prestígio" com A Cor Púrpura em 1985, Steven Spielberg intercala seus blockbusters de apelo pop com dramas históricos de grandes temas e fundo humanista. Ele vem de dois filmes assim, Cavalo de Guerra e Lincoln, na tentativa de emular um retrato da guerra à moda John Ford, mas em Ponte dos Espiões (Bridge of Spies) Spielberg troca de matriz: é o seu filme mais parecido com os Frank Capra, cineasta conhecido desde os anos 1930 por seus dramas e suas comédias do homem comum abraçado pelo mito do american way.
E isso é uma boa notícia para quem prefere, de Spielberg, os filmes de entretenimento.
À primeira vista, Ponte dos Espiões parece seguir o caminho dos dramas de tribunal para traçar paralelos entre os EUA da Guerra Fria e o da Era Bush, em que direitos constitucionais são negligenciados em nome de uma agenda política. Na trama, baseada em fatos, Tom Hanks vive o advogado James Donovan, que recebe em 1957 a ingrata missão de defender um espião britânico (Mark Rylance, ótimo ator que fornece o lastro dramático do filme) acusado nos EUA de trabalhar para os soviéticos. Enquanto Donovan tenta garantir que o espião tenha um julgamento justo, uma subtrama se desenrola, mostrando o outro lado: o que aconteceria se um espião americano fosse preso na União Soviética?
Essa segunda trama vai ganhando importância à medida em que fica claro que Spielberg não está interessado em refazer aqui o drama de tribunal. É como se essa esfera do debate democrático - de câmara, de bastidores, dos tomadores de decisão - tivesse se esgotado para o diretor entre Amistad e Lincoln. Spielberg parece muito mais atraído pela perspectiva de colocar com toques de humor - e por extensão auxiliado pelo timing cômico sempre ótimo de Hanks - o advogado em situações de absurdo e perigo para atestar como os ideais americanos se traduzem em ações do homem comum, que termina engrandecido por esses ideais. É a fórmula capraesca por excelência, e poucos atores hoje incorporam tão bem como Hanks esse arquétipo eternizado por James Stewart nos filmes de Capra.
Donovan não chega a ser um Frank Abagnale, o golpista de Prenda-me Se For Capaz, mas é bem divertida a forma como ele recorre às linhas de raciocínio dos advogados para fazer jogo duplo, convencer seus interlocutores e conseguir o que quer. A lembrança do longa de 2002 de Spielberg vem a calhar aqui porque Ponte dos Espiões também meio que opera como uma versão softcore de um thriller, para tornar a trama de espionagem um território que não seja hostil ao homem comum. Então vemos em Ponte dos Espiões agentes secretos que se trombam no metrô, que se perdem numa erupção de guardas-chuvas, que são recebidos na Alemanha Oriental por uma gangue que mais parece saída de West Side Story.
Essa pegada de comédia ingênua, de pequenas gags inofensivas, é outro elemento que dá a Ponte de Espiões uma cara de filme à moda antiga, mas o roteiro co-escrito pelos irmãos Joel e Ethan Coen - cineastas especializados em passear por gêneros hollywoodianos de forma contemporânea - ajuda a manter Spielberg no presente. Não poderia haver uma combinação melhor: o idealismo de Spielberg anula o fatalismo dos Coen, e o sarcasmo dos irmãos desarma os momentos em que Ponte de Espiões poderia se acomodar na grandiloquência (inscrita principalmente na fotografia que banha o herói moral de luz, outro resquício de Lincoln).
Como resultado, Ponte de Espiões é o híbrido mais bem resolvido, pelo menos nos últimos anos, desses dois autores que se revezam nas salas: o esde que se tornou um cineasta de filmes "de prestígio" com A Cor Púrpura em 1985, Steven Spielberg intercala seus blockbusters de apelo pop com dramas históricos de grandes temas e fundo humanista. Ele vem de dois filmes assim, Cavalo de Guerra e Lincoln, na tentativa de emular um retrato da guerra à moda John Ford, mas em Ponte dos Espiões (Bridge of Spies) Spielberg troca de matriz: é o seu filme mais parecido com os Frank Capra, cineasta conhecido desde os anos 1930 por seus dramas e suas comédias do homem comum abraçado pelo mito do american way.
E isso é uma boa notícia para quem prefere, de Spielberg, os filmes de entretenimento.
À primeira vista, Ponte dos Espiões parece seguir o caminho dos dramas de tribunal para traçar paralelos entre os EUA da Guerra Fria e o da Era Bush, em que direitos constitucionais são negligenciados em nome de uma agenda política. Na trama, baseada em fatos, Tom Hanks vive o advogado James Donovan, que recebe em 1957 a ingrata missão de defender um espião britânico (Mark Rylance, ótimo ator que fornece o lastro dramático do filme) acusado nos EUA de trabalhar para os soviéticos. Enquanto Donovan tenta garantir que o espião tenha um julgamento justo, uma subtrama se desenrola, mostrando o outro lado: o que aconteceria se um espião americano fosse preso na União Soviética?
Essa segunda trama vai ganhando importância à medida em que fica claro que Spielberg não está interessado em refazer aqui o drama de tribunal. É como se essa esfera do debate democrático - de câmara, de bastidores, dos tomadores de decisão - tivesse se esgotado para o diretor entre Amistad e Lincoln. Spielberg parece muito mais atraído pela perspectiva de colocar com toques de humor - e por extensão auxiliado pelo timing cômico sempre ótimo de Hanks - o advogado em situações de absurdo e perigo para atestar como os ideais americanos se traduzem em ações do homem comum, que termina engrandecido por esses ideais. É a fórmula capraesca por excelência, e poucos atores hoje incorporam tão bem como Hanks esse arquétipo eternizado por James Stewart nos filmes de Capra.
Donovan não chega a ser um Frank Abagnale, o golpista de Prenda-me Se For Capaz, mas é bem divertida a forma como ele recorre às linhas de raciocínio dos advogados para fazer jogo duplo, convencer seus interlocutores e conseguir o que quer. A lembrança do longa de 2002 de Spielberg vem a calhar aqui porque Ponte dos Espiões também meio que opera como uma versão softcore de um thriller, para tornar a trama de espionagem um território que não seja hostil ao homem comum. Então vemos em Ponte dos Espiões agentes secretos que se trombam no metrô, que se perdem numa erupção de guardas-chuvas, que são recebidos na Alemanha Oriental por uma gangue que mais parece saída de West Side Story.
Essa pegada de comédia ingênua, de pequenas gags inofensivas, é outro elemento que dá a Ponte de Espiões uma cara de filme à moda antiga, mas o roteiro co-escrito pelos irmãos Joel e Ethan Coen - cineastas especializados em passear por gêneros hollywoodianos de forma contemporânea - ajuda a manter Spielberg no presente. Não poderia haver uma combinação melhor: o idealismo de Spielberg anula o fatalismo dos Coen, e o sarcasmo dos irmãos desarma os momentos em que Ponte de Espiões poderia se acomodar na grandiloquência (inscrita principalmente na fotografia que banha o herói moral de luz, outro resquício de Lincoln).
Como resultado, Ponte de Espiões é o híbrido mais bem resolvido, pelo menos nos últimos anos, desses dois autores que se revezam nas salas: o Spielberg reinventor do escapismo, que faz entretenimento seguro e família como ninguém, e o Spielberg de tribuna, sem falsa modéstia, ciente de que seus filmes, e o cinema em geral, podem afetar a imagem que as pessoas fazem dos Estados Unidos, dos outros, de si.
Um filme apenas razoável pelo padrões Spielberg, sem nada acrescentar