O som do silêncio
por Lucas Salgado"Pessoas conversando sem falar / Pessoas ouvindo sem escutar / Pessoas escrevendo canções / Que vozes jamais compartilharam / E ninguém ousava / Perturbar o som do silêncio." O versos (em tradução livre) fazem parte da clássica canção "The Sound Of Silence", de Simon & Garfunkel, que se encaixa com precisão em uma reflexão sobre o filme A Gangue.
Premiada na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2014, a produção é toda "falada" através da linguagens de sinais. E também não conta com legendas. Trata de uma experiência cinematográfica e narrativa, mas uma experiência que funciona, afinal o espectador pode não entender precisamente o que está sendo dito pelos personagens, mas tem total entendimento do sentido geral. E isso não significa que não conte com diálogos grande. Pelo contrário, o filme investe em alguns longos momentos em que os personagens conversam entre si. Por instantes, o público pode se sentir um pouco perdido, mas logo algo na tela virá para dar sentido ao que vimos anteriormente.
O filme conta com uma proposta muito interessante, mas o melhor é que não fica satisfeito em ser apenas uma proposta. Tem uma história envolvente e angustiante, que deixará o espectador preso ao longo dos 132 minutos de duração. Não trata-se de um filme sobre a acessibilidade e não se preocupa em ser politicamente correto, mas também não esconde a difícil realidade vivida pelos personagens, com a surdez sendo diretamente responsável por alguns de seus destinos.
A trama gira em torno de um jovem deficiente auditivo (Grigoriy Fesenko) que ingressa em uma escola especializada e passa a conviver com pessoas que sofrem da mesma deficiência que ele. Logo de cara, ele toma conhecimento de uma gangue que age na instituição. Ele ingressa na mesma e começa a crescer na hierarquia após praticar alguns crimes. No entanto, uma paixão por uma jovem da gangue (Yana Novikova) o fará tomar atitudes que desagradam os colegas do grupo.
Plemya (no original) conta com cenas duríssimas e aborda temas sérios como prostituição, aborto, estupro, tráfico de garotas e muito mais. É um filme sem inocentes e sem mocinhos, uma vez que o próprio protagonista se revelará capaz de atos impensáveis. A violência também é retratada como algo banal na realidade do grupo, que muitas vezes demonstra um sadismo ao insistir em agredir uma vítima que já está caída no chão.
A direção competente de Myroslav Slaboshpytskiy e a incrível câmera sempre em movimento criam um clima de constante tensão, que funciona também em razão da trilha sonora e da direção de fotografia. Com grandes atuações e com um roteiro tão frio quando ao cenário ucraniano visto em cena, A Gangue é um filme que merece ser visto. Mas isso não significa que vai ser fácil assistir ao filme. Temos cenas muito duras e algumas farão o espectador virar o rosto e torcer para que aquilo passe logo. Mas perturbar (não gratuitamente) também faz parte das funções do cinema.
Ao final, o espectador irá refletir sobre a importância do som do silêncio e perceberá que a comunicação pode ser feita não apenas através da fala.
Filme assistido durante a cobertura da Mostra de São Paulo, em outubro de 2014.